"Porquê (não) as velas no 19 de Abril?" é uma proposta de discussão do Lutz a propósito da sugestão que o Nuno Guerreiro nos faz no sentido de recordarmos a progrom de Lisboa que ocorreu em 19 de Abril de 1506. Pela minha parte tentarei participar na iniciativa e sinceramente acho que não preciso de nenhum programa político que a suporte para me justificar, nem conto ter grandes cautelas quanto a "interpretações abusivas", nem sequer preciso saber se o Nuno Guerreiro tem algum manifesto preparado.
O simples facto de ter ignorado durante quase duas décadas um dos mais hediondos factos da história de Lisboa e o choque e incredulidade com que o ouvi pela primeira vez, são motivo suficiente para tentar diminuir esse nível de ignorância que ainda prolifera.
A nossa identidade constroi-se da nossa história e de toda a sua complexidade. Revelamos quem somos também pela forma como queremos ou não queremos encarar o passado. Contextualizar ou não esses factos à luz de diferenças no quadro dos valores, da moral ou da política é já um luxo (como acaba por ser esta oportuna proposta do Lutz) a que só poderemos aceder se nos atrevermos a admitir que algo do que fomos ainda se reflecte no nosso espelho do hoje. O que é incontronável é que o que somos hoje, mesmo na forma de olhar para o passado, condicionará o nosso futuro.
Deixou outra pregunta mais prosaica: de que se falará mais no dia 19 de Abril de 2006? Eu aposto na inauguração do Casino de Lisboa e vocês?
Adenda: as opiniões sucedem-se, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, por exemplo.
5 replies on “Uma vela no Rossio (act.)”
Ao colocarmos uma vela no dia 19 de Abril, mais que honrarmos os mortos, estaremos a lembramo-nos do dia em que a nossa decadência ficou traçada.
Que faríamos se lá tivessemos estado nesse dia ?Não quero ser pessimista, mas se calhar a maioria de nós tinha participado nisso.
Por mais contextualização que possa haver é animador perceber que mesmo então houve quem percebesse e relatasse o que se passou.
É espantoso, Mário, como descubro ainda hoje tantas trevas entre gente que deveria estar mais iluminada.
Quanto à questão, eu tanto posso ser um descendente das vítimas como dos verdugos e a possibilidade de assim poder encarar as coisas acaba por ser uma das vantagens da história.
A Paixão de Israel
Como Cidadão do Mundo, e, particularmente, como exilado interno lusitano, venho, através deste texto, associar este blogue a um dos momentos mais negros da nossa História Nacional.
Como está largamente documentado na Rua da Judiaria, celebram-se, no dia 19 de Abril, os 500 anos do infame massacre perpetrado pelos nossos antepassados sobre os antepassados dos nossos concidadãos de credo judaico. Um pouco por todo o lado se pede que nos associemos, e nesse dia acendamos, no Rossio, uma vela evocativa. Contudo, mais importante do que essa vela, convém que saibamos reacender a vela de uma memória interior.
Não me vou ater aqui a pormenores históricos, estão devida, e lapidarmente, descritos na Rua da Judiaria: em 1506, terão, por alto, sido chacinados e queimados vivos cerca de 4 000 dos nossos compatriotas, mais do que compatriotas, vizinhos de Lisboa, tão-só por uma diferença de credo, algumas referências de texto, e diferentes denominações daquele deus único dos 3 Monoteísmos.
Quando me falam de Judeus, de Cristãos e de Muçulmanos, imediatamente me acorre à ideia o Califado de Córdoba, onde, nos tempos intermédios da Reconquista, essas três religiões se uniram, para dar lugar a uma das mais espantosas florações culturais da Península, onde os pensares eram comuns, as sinagogas moçárabes, os príncipes cristãos versados nas línguas mouras, o filosofar árabe assimilado por todas as teologias, e as Igrejas de Cristo um lugar de cultos partilhados. Tudo o resto foi, depois, uma mera sombra cultural.
Portugal, país ingrato, mostrou-se sempre exímio em mutilar as suas melhores cabeças: num tempo de acolhimento, começou por juntar os restos dos perseguidos Templários com o ancestral Saber Judeu. Daí terá resultado a nossa única epopeia, a dos Descobrimentos, até que príncipes mal aconselhados, ao sabor das conveniências, resolveram substituir a Convivência pela Intolerância, obrigando ao exílio, à mentira da pele de uma religião forçada (o que é um cristão-novo, senão mais uma alma humilhada?…), e, por fim, a essa indesculpável hecatombe, iniciada em 19 de Abril de 1506.
Toda a nossa épica sucumbe nessa forçada Segunda Diáspora, onde as melhores mentes judaicas acabaram por levar o seu saber para as terras da tolerante Holanda, tornando-a na nova potência, que rapidamente substituiu o soçobrado Império Português.
Faz parte da cruz judaica a régua de dois saberes: 1) a de que mais tarde, ou mais cedo, ele será perseguido; 2) a de que, posto que essa perseguição inexoravelmente virá, lhe convém estar, ao máximo, preparado para ela. Isto gerou Judeus ricos, e Judeus sábios, e à volta disto, semeou-se sempre uma infindável história de mal disfarçadas invejas.
Quando ligo a televisão, tudo o que sinto de repulsa pelo presente xadrez de ódios do Próximo e do Médio Oriente consegue estender-se até esse dia de há 500 anos atrás. Dir-se-á que estão distantes, e que são povos que nos são quase alheios; todavia para quem invoca, repetidamente, o lema do país dos brandos costumes, relembro que esses bárbaros de há meio milénio atrás, também foram nossos antepassados, ou, por palavras outras, para que conste, que todos nós, Portugueses de hoje, deles descendemos, e descendemos em linha directa de culpa.
LuÃs Bonifácio
Eu “prefiro” pensar que teria a “educação-moral-ética”… o que for… de ser uma pessoa HONRADA e PIEDOSA:
Passado este dia, que era o segundo desta perseguição, tornaram terça-feira este danados homens a prosseguir a sua crueza, mas não tanto quanto nos outros dias porque já não achavam quem matar, pois todos os cristãos-novos que escaparam desta tamanha fúria, serem postos a salvo por pessoas honradas, e piedosas que nisto trabalharam tudo o que neles foi.â?Damião de Góis (1502-1574), in âChronica do Felicissimo Rey D. Emanuel da Gloriosa Memóriaâ?, escrito em Lisboa entre 1566 e 1567.
Pq encarar a possibilidade de cobardia de nada fazer é… insuportável.
A outra hipótese está fora de questão.