No dia em que toma posse a terceira direcção do INE nos últimos quatro anos (como muito bem se lembra hoje nas páginas do Diário Económico) arquiva-se em anexo, para memória futura, uma das matérias hoje publicadas nesse jornal pelo jornalista (ex-INE) Filipe Charters de Azevedo.

Mais logo tentarei deixar aqui alguns apontamentos de reflexão pessoal sobre o INE.


NOVA DIRECÇÃO TOMA HOJE POSSE  
 
INE tem de recuperar credibilidade técnica e independência política  
 
O apuramento e o reporte do défice orçamental a Bruxelas será o principal desafio da nova direcção do INE, liderada por Alda de Caetano Carvalho. Esta questão tem sido bastante polémica, com o Banco de Portugal a ser chamado esporadicamente para avaliar a situação orçamental Pedro Silva Pereira, ministro com a tutela do INE, já afirmou que, no futuro, essa tarefa caberá ao Instituto. Págs. 8, 9 e Editorial  
 
Credibilidade e isenção são os principais desafios do INE  
 
Alda de Caetano Carvalho e a restante direcção do instituto estatístico toma hoje posse.  
 
Filipe Charters de Azevedo  
 
O apuramento e o reporte do défice deverá ser o principal desafio de Alda de Caetano Carvalho que assume hoje a presidência do Instituto Nacional de Estatística (INE). Esta questão gerou uma disputa de bastidores dada a sua importância e o seu capital político. Até agora, através das comissões Constâncio, tem cabido, esporadicamente, ao Banco de Portugal o papel de físcalizador dos riscos orçamentais. Porém, Pedro Silva Pereira, ministro da tutela, garantiu recentemente que esta função deverá passar a caber ao INE.  
 
Além deste desafio, a antiga directora do Departamento de Planeamento e Prospectiva (DPP) terá de resolver os problemas de gestão interna, além de redefinir a missão de um organismo que em quatro anos conhece a terceira direcção.  
 
À equipa chefiada por Alda de Caetano Carvalho juntam-se, na função de vogais, Pedro Dias, vindo do Instituto de Informação e Estatística da Segurança Social, e Helena Cordeiro, exconsultora do Banco Mundial e assessora do DPP. O nome da actual presidente foi conhecido a 11 de Outubro, no dia em que José Mata apresentou a sua demissão após ter concluído que não tinha condições para levar o mandato até ao fim. O antigo presidente do INE empreendeu uma reforma profunda neste organismo – com uma redefinição da sua missão e com uma postura mais virada para o cliente – que agora ficará a meio. Recorde-se que segundo o estudo dos especialistas canadianos, grande parte dos utilizadores de estatísticas nacionais utilizam a informação de outros organismos – como o Banco de Portugal. Apesar de essas entidades trabalharem com os dados dos inquéritos do INE.  
 
A falta de credibilidade do INE é notória pela a avaliação das contas do Estado. Ao INE, de acordo com as regras europeias, cabe o cálculo do défice em contabilidade nacional. Porém, não é dado um mandato claro para que o organismo português assuma essa vocação. Em declarações recentes ao DE, José Mata afirmou que é necessário que dêem ao INE "a missão, a autoridade para obter a informação e condições objectivas de garantia do exercício dessa actividade" designadamente a "independência". Algo que ainda não foi feito. Assim, é ao Ministério das Finanças que cabe reportar as suas próprias contas ao país e a Bruxelas. A situação é de tal forma grave que existe agora um consenso alargado nas diferentes forças políticas para a criação de uma entidade independente que fiscalize as contas do Estado.  
 
Em declarações recentes ao DE, o ministro da Presidência que tutela este organismo afirmou que "o que se perspectiva é que o INE se prepare para assumir essa responsabilidade [de reporte das contas públicas], e assim passe a ser tudo mais conforme as regras europeias". A solução não é todavia consensual mesmo dentro do Executivo.  
 
Os problemas da gestão dos recursos humanos  
 
Além das dificuldades políticas, a nova direcção do INE tem de resolver os problemas de gestão dos recursos humanos. A falta de quadros técnicos tem estado em cima da mesa há largos meses prejudicando a normal produção estatística.  
 
O projecto de José Mata, presidente demissionário, partia do princípio que, com um forte controlo orçamental, seria possível reforçar o INE de quadros especializados. Mas tal não aconteceu. Uma parte substancial dos técnicos das contas nacionais, por exemplo, eram contratados a prazo com contratos renovados de forma intermitente. A situação era de tal forma grave que a produção das contas trimestrais – que indicam se a economia está em recessão ou em crescimento – chegou mesmo a estar em perigo. Apesar das sucessivas diligências, José Mata não conseguiu resolver o problema. Em declarações recentes ao DE, Pedro Silva Pereira, ministro da tutela, garantiu que em breve essa situação seria resolvida.  
 
A anterior direcção enveredou ainda por uma política de esvaziamento das delegações regionais. Estas tinham no passado recente alguns projectos específicos, porém, na prática funcionavam como ‘miniorganismos de estatística’ independentes. Dessa forma havia alguma repetição de procedimentos, bem como faltava harmonia nos números publicados. De uma forma abrupta, Mata consolidou a gestão destes organismos, mas acabou também com as cadeias de comando e de gestão. O problema residiu na criação de mega departamentos de difícil organização e onde conhecimentos específicos se perderam. O mal-estar foi evidente com o esvaziamentos de funções de vários funcionários com habilitações. Uma das consequências, segundo os delegados sindicais, foi que o número de horas perdidas por doença (um indicador de absentismo) aumentou mais de 40%.  
 
Instituto é essencial para a democracia  
 
Para haver democracia são necessárias três organismos: um parlamento, um tribunal, e um instituto nacional estatístico. Esta conclusão é de António Barreto numa entrevista dada a uma rádio há três anos. O sociólogo justificava esta ideia com o facto de só a informação poder combater a propaganda.  
 
O papel que o INE tem na vida económica e política também é salientado por João César das Neves, professor universitário. O antigo conselheiro de Cavaco Silva salienta ainda que os "meios científicos estão disponíveis" para que o INE possa apresentar um bom trabalho. "Falta por vezes uma melhoria financeira", lembra. Já Teodora Cardoso, antiga directora do gabinete de estudos do Banco de Portugal, num artigo recente publicado no DE prefere por a tónica na necessidade de definir um mandato claro para o instituto estatístico português. F.C.A.  
 
Falência do modelo de gestão obrigou a uma mudança profunda do organismo  
 
A maioria dos interessados pelos números do país não utiliza a informação do Instituto Nacional de Estatística (INE) e prefere utilizar os dados compilados pelo Banco de Portugal Esta foi a principal conclusão dos especialistas do instituto de estatístic
a canadiano (um dos mais reputados do mundo) contratados pela direcção demissionária para analisarem a situação do INE. Uma situação classificada como "surpreendente", mas também "intolerável" pelos especialistas canadianos, já que o Banco de Portugal tem uma agenda própria – não tem a função de informar como o INE. Perante a situação global encontrada, estes especialistas sugeriram a criação de um conselho de notáveis que se representassem em si próprios e não a sua organização e cujo o líder deveria apresentar novas iniciativas e proteger o INE dos impulsos políticos do Governo. Seria assim um conselho de credibilidade. Além disso, os especialistas salientaram a importância de dotar o INE de mais meios por forma a que os dados se tornassem mais relevantes.  
 
Além do relatório dos ‘canadianos’ que definiam a missão de um instituto moderno, outras entidades avaliaram o desempenho do INE. A consultora Roland Berger sugeriu um novo modelo de gestão, assente numa "estrutura mais simples e com maior grau de concentração geográfica". A Roland Berger sugeriu ainda a implementação de um novo sistema de gestão por objectivos e com a remuneração associada a objectivos. Também a auditoria da Inspecção-Geral da Administração Pública apontava pelo mesmo sentido.  
 
Mas as criticas mais fortes vieram dos regulamentos da Comissão Europeia. O código de conduta para as estatísticas europeias obriga a que os diferentes institutos produtores de estatística tenham independência total face aos governos. Nesse sentido a sua informação não pode ser revelada antecipadamente por políticos como aconteceu no passado (ver cronologia) nem a substituição dos seus dirigentes deve ser uma constante. Também os recursos postos à disposição da autoridade estatística devem ser suficientes para satisfazer as necessidades, e isto não acontece.

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