Foi hoje publicada uma resolução da Assembleia da República onde esta recomenda (sob patrocínio dos deputados socialistas Ricardo Rodrigues e Ana Catarina) a definição de um limiar de pobreza e a avaliação das políticas públicas destinadas à sua erradicação.
Vale a pena reter aqui o conteúdo da resolução:
“A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, na sequência da Resolução da Assembleia da República n.º 10/2008, de 19 de Março, sobre o «Acompanhamento da situação de pobreza em Portugal», declarar solenemente que a pobreza conduz à violação dos direitos humanos e recomendar ao Governo o seguinte:
1 — A definição de um limiar de pobreza em função do nível de rendimento nacional e das condições de vida padrão na nossa sociedade.
2 — A avaliação regular das políticas públicas de erradicação da pobreza.
3 — Que o limiar de pobreza estabelecido sirva de referência obrigatória à definição e à avaliação das políticas públicas de erradicação da pobreza.”
Espero sinceramente que seja desta que as instituições a quem se destina esta recomendação (parece-me assentar que nem uma luva ao INE) aumentem o empenho nesta matéria fazendo esquecer omissões e tibiezas do passado. Sublinho que o INE já promoveu no passado o trabalho exploratório e de investigação nesta matéria, no período em que um dos vogais da direcção do Instituto (Dra. Lídia Barreiros) tinha particular sensibilidade e experiência técnica na matéria.
Se me permitem uma achega de quem passou pela frustração de ver o trabalho reconhecido e valorizado pela academia e por pares internacionais mas não ser acarinhado “em casa”, espero que tentem evitar a simplificação excessiva de arranjar um único limiar e exclusivamente monetário (esse até já existe há vários anos), um caminho redutor que as organizações internacionais que habitualmente compilam esta informação têm feito um esforço por complementar.
Houve trabalho sério e competente feito por técnicos do Estado noutros departamentos, nomeadamente na Segurança Social. Não sei até que ponto a oportunidade de recuperar esse trabalho e essas competências não deixou já de estar ao alcance dessas instituições (ah, a saudável mobilidade do mercado de trabalho!), mas na pior das hipóteses, que se comece de novo, com outras pessoas e que se leve o trabalho até ao fim criando um conjunto alargado, multidimensional e contínuo de indicadores.
Muito claramente, a constatação feita pela Assembleia da República e reflectida na referida recomendação deveria fazer pensar muita gente e de certa forma avaliza as constatações que muito discretamente aqui fui fazendo ao longo dos últimos cinco anos.
Pobreza monetária, Pobreza absoluta (cabaz de produtos), Pobreza segundo as condições de vida, Indicadores de persisitência da pobreza, Pobreza antes e depois de transferências sociais, tudo isto foi ou é ou pode ser analizado, falta-lhe o labor e análise contínua, inacessível a monografias desgarradas (por muito competentíssimas que sejam), e falta-lhe talvez o selo de qualidade e de independência política que poucas instituições podem e devem conferir à informação que produzem.
As consequências desta recomendação são sem dúvida um assunto que deveremos acompanhar com atenção.
Alguns artigos sobre o tema aqui publicados nos últimos 5 anos:
“Quem ganha menos que 60% do rendimento mediano em Portugal?”
“19% de pobres em termos monetários ”
“
Pobreza Absoluta versus Pobreza Relativa ”
“A Pobreza subjectiva”
“Mini tratado sobre o que deveriam ser banalidades ”
“Post 3500 da história do Adufe: Pobreza ”
“Limiar de pobreza (actualização I) ”
“Dados OFICIAIS sobre a pobreza ”
“O INE tem uma relação neurótica com a pobreza? (act.) ”
“Eu pobre? Eu até vou à bola! (act.) ”
“A pobreza nas estatísticas oficiais ”
“Pobreza: Respondendo na diagonal… (Acrescentado) “