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Mini tratado sobre o que deveriam ser banalidades


Ã?ndice de Gini no Mundo (via wikipedia)
A pobreza é um fenómeno multidimensional.

Estudar a pobreza utilizando apenas uma das suas dimensões pode, no limite, indicar-nos o oposto do que obteríamos por via de uma análise multivariada. Digamos que o risco de sair disparate parece bem mais plausível se olharmos apenas, por exemplo, para o que cada um ganha por mês. Por outro lado, se procurarmos incansavelmente todas as dimensões da pobreza antes que nos atrevamos a sobre ela dissertar, acabamos… cansados e provavelmente teremos falado tarde demais, inutilmente. Um dilema muito recorrente em qualquer análise de fenómenos sociais.

Um exemplo típico de como não estudar a pobreza (suponho que ensinado nas escolas mais distraídas para o assunto) é pegar num indicador que mede a desigualdade de distribuição do rendimento (por exemplo, o índice de Gini), comparar esse indicador entre vários países e determinar com base nele qual é mais pobre. Qual é o erro? A (desigualdade) da distribuição do rendimento não é um sinónimo de pobreza. Foi explorando este logro que os nossos vizinhos Blasfemos se divertiram um pouco ontem neste post (e também neste).

Se acreditarmos que a desigualdade de distribuição do rendimento, acima de determinado patamar, é geradora por si de mau estar social (no limite a inveja graça grassa mesmo entre uma população constituida apenas por ricos e muito ricos) então talvez o Ã?ndice de Gini seja interessante enquanto indicador avançado do Bem Estar Social. Mas mesmo assim é curto…

Se lhe juntarmos indicadores de pobreza absoluta, monetária (relativa), subjectiva, de privação (condições de vida) e de persistência (em algum ou em todos os indicadores anteriormente mencionados), então o Indicador de Gini também pode ajudar-nos a perceber a magnitude das implicações sociais do fenómeno da pobreza. Afinal, se encontro um país onde se registem de forma generalizada vários "tipos" de pobreza, saber adicionalmente se existe ou não  desigualdade de distribuição do rendimento face ao cenário igualitário (é o que mede o Ã?ndice de Gini) não me parece que seja informação inútil para um decisor político melhor fundamentar as suas medidas de política economica, percebendo com melhor nitidez quais os seus próprios limites.

6 replies on “Mini tratado sobre o que deveriam ser banalidades”

Meu caro, Rui, tem toda a razão. Convém perceber porque é que escrevi o post.

Num anterior debate em que se falava de riqueza, logo alguém contrpôs com o índice de gini. Acontece sempre.

Claro que é fácil interpretar o índice. E por ser fácil é que se constata que o índice reage mais à riqueza do que à pobreza.

Também é fácil constatar que o índice sobe sitematicamente sempre que algum país entra no ritmo dos grandes crescimentos económicos (Chile, Irlanda, China, Botswana) e que índice é sistematicamente utilizado para desvalorizar os processos normais de criação de riqueza.

Ao mesmo tempo, sempre que um país de grande crescimento entra em estagnação, os índices melhoram. Provavelmente porque grande parte das prestações sociais estavam calibradas para ritmos de crescimento anteriores e não é fácil adaptá-las à nova realidade. Estas situações, que provocam sempre um enorme crescimento do peso do estado, são inibidoras de criação de riqueza e muito boas para melhorar o índice.

É por isso que não gosto do índice de Gini. Engana-nos, se quisermos ser enganados. Infelizmente, há mais gente a ser enganada pelo índice do que a compreendê-lo convenientemente.

Rui, observa bem esta lista de indicadores. São os utilizados pelo Comité de Protecção Social para definir pobreza e exclusão social.

INDICADORES PRIMÃ?RIOS

1. Taxa de baixos rendimentos após transferências (Percentagem de indivíduos com rendimentos inferiores a 60% da mediana nacional.)

2. Distribuição de rendimento S80/S20 (Rácio entre a quinta parte da população com o rendimento mais alto e a quinta parte com o rendimento mais baixo)

3. Persistência de baixos rendimentos (Pessoas a viver em famílias com rendimento inferior a 60% da mediana nacional no ano “n” e pelo menos dois anos de n-1, n-2, n-3.)

4. Mediana relativa das disparidades entre baixos
rendimentos (Rendimento mediano das pessoas que vivem abaixo do limiar de baixos rendimentos em
percentagem do limiar de baixos rendimentos)

5. Coesão regional (Coeficiente de variação das taxas de emprego)

6. Taxa de desemprego de longa duração (Total da população no desemprego de longa duração (=12 meses; definição da OIT) em % da população activa total)

7. Pessoas que vivem em agregados familiares sem
emprego.

8. Abandono escolar precoce de alunos que não participam em acções de ensino ou formação (Proporção da população total de 18-24 anos
que atingiu, no máximo, o nível 2 ISCED e
não participa em qualquer acção de ensino ou
formação.)

9. Esperança de vida à nascença (Número de anos que uma pessoa pode esperar viver, começando nos 0 anos de idade)

10. Saúde declarada por nível de rendimento (Rácio das proporções nos grupos de quintis
superior e inferior, por rendimento equivalente,
da população com 16 anos ou mais e que se
auto-classificam como estando num estado de
saúde precária ou muito precária segundo a
definição da OMS.)

INDICADORES SECUNDÃ?RIOS

11. Dispersão em torno do limiar de baixos rendimentos (Pessoas a viver em famílias onde o rendimento total equivalente é inferior a 40, 50 e 70% da mediana nacional)

12. Taxa de baixos rendimentos num dado momento.
13. Taxa de baixos rendimentos antes das transferências.
14. Coeficiente de Gini
15. Persistência de baixos rendimentos inferiores a 50% do rendimento mediano (Pessoas a viver em famílias com rendimento inferior a 50% da mediana nacional no ano “n” e (pelo menos) dois anos de n-1, n-2, n-3.)

16. Proporção do desemprego de longa duração. (Total da população no desemprego de longa duração (³12 meses; definição da OIT) em % do total da população desempregada)

17. Taxa de desemprego de muito longa duração (Total da população no desemprego de muito longa duração -24 meses- em % da população activa total)

18. Indivíduos com baixos níveis de instrução (Taxa de instrução do nível e ISCED ou inferior para educação de adultos por grupo etário – 25-34, 35-44, 45-54, 55-64).

Não há um único indicador de pobreza absoluta. Um único. Ora bolas. Se o país duplicar a sua riqueza sem alterar a estrutura social, estes senhores não vão ver indicadores nenhuns a melhorar. É a isto que se chama a invenção de pobreza permanente.

A ser assim não é só a pobreza absoluta que falha. Falham também indicadores que apreciem o stock (a riqueza acumulada), a privação de bens / condições de vida e também a auto-avaliação da pobreza pelos indivíduos (que deve ser lido em termos temporais e menos quanto ao seu nível – por cá 80% da população ou mais diz sistematicamente ser pobre ou para lá caminhar).

Quando tiver um tempinho publico mais um breve relato sobre a experiência que tive nessa área.

Julgo que o autor deste blogue queria afirmar que “a inveja grassa”…

Cordialmente
Zacarias Torcato

Julgo que o autor deste blogue queria afirmar que “a inveja grassa”…

Cordialmente
Zacarias Torcato

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