Qualquer medida de pobreza relativa deve ser calibrada por medidas de pobreza absoluta (cesta básica alimentar, por exemplo), indicadores de privação ou, à falta destes, por outras medidas clássicas (índice de gini, indicadores FGT, etc) ou ainda por fasquias da própria medida relativa em questão (50%, 70% da mediana por exemplo, permitindo um melhor conhecimento da distribuição do rendimento e da sua assimetria) e/ou ainda por uma medida de pobreza subjectiva (“O seu agregado familiar faz face às despesas e encargos familiares mensais: com muito, alguma ou pouca dificuldade; Pouca, alguma, muita facilidade?”; “Você considera-se pobre?”).
Dito isto, acrescento que uma análise da evolução temporal também não é nada desprezável, assim como dados relativos à PERSISTÊNCIA da pobreza avaliando a evolução intergeracional no seio de um mesmo agregado familiar (qual era a situação dos avós, dos pais e agora dos filhos?).
Infelizmente, muitos destes dados estão ainda em falta neste país ou “sabiamente” escondido e desprezados em algumas gavetas.
Já aqui disse que se anda a fazer algum esforço na divulgação pública de indicadores mais complexos (e mesmo na recolha de mais informação) mas o processo arrasta-se pelo menos desde a presidência portuguesa da UE em 2000… Já vamos em 2003 e o processo continua muito embrionário.
Haja ou não má fé, este facto acaba por ser conveniente para quem não quer enfrentar factos que permitem análises bem mais sérias do que a possível com os simplistas indicadores disponíveis no Eurostat (60% da mediana do rendimento do agregado por adulto equivalente e pouco mais).
Tudo isto é conveniente para que se possam dizer no escuro algumas baboseiras como as deixadas por alguns comentaristas e explícitas no discurso provocador deste post do Jaquinzinhos.
Se objectivamente os 60% da mediana não nos provam que há pobres ou, por outras, não nos provam qual a severidade, intensidade e persistência da pobreza, também não nos provam que qualquer crescimento económico é melhor para todos. Por outro lado, a desigualdade agravada e reconhecida, supostamente provocada pelo crescimento económico é em si tanto mais grave quanto melhor for percepcionada pelos indivíduos não sendo de todo uma questão negligenciável devido a potenciais consequências perturbadoras dos próprios relacionamentos sociais.
Há já alguns dados que permitem (ver INE) uma análise mais completa do pobreza, mas ainda assim faz sentido que exijamos informação estatística multidimensional que nos permita uma discussão mais avisada.
Algumas sugestões de leitura estatística sobre pobreza disponível no INE:
Análise da pobreza e da desigualdade em Portugal através da Regressão de Quantis
Evolução da Pobreza e da Desigualdade em Portugal no período 1995 a 1997
Rendimento, Desigualdade e Pobreza
Demographic, social and economic aspects of older persons in Portugal
4 replies on “Pobreza: Respondendo na diagonal… (Acrescentado)”
Concordo em grande parte contigo Rui, mas não posso deixar de dar alguma razão à ironia do Jaquinzinhos, pois o facto é que para falar de pobreza não podemos estar a usar um índice de desigualdade social.
Ou seja, lá porque o gajo mais rico da Suécia ganha 20 vezes mais que o mais pobre, não significa obrigatoriamente que esse pobre esteja abaixo do limiar da pobreza, da mesma forma que pelo facto de Cuba ser um regime igualitário e os salários serem muito semelhantes entre ricos e pobres (Governo e sua trupe à parte) faz com que deixem de estar muitos deles abaixo do limiar de pobreza.
Para podermos ser sérios na análise, temos é que definir quais são as condições mínimas que um cidadão tem que ter (um valor, ajustado à paridade de poder de compra) abaixo do qual se considera pobre alguém. Mas esse critério deve ser universal, não se pode limitar às fronteiras de um país, ainda mais nos tempos que correm.
Nuno o problema é bem mais complexo: faz sentido definires a mesma linha de pobreza (por exemplo o mesmo valor para adquirires o minimo de bens que nos pode por fora da pobreza – que também terás de definir! – ) para uma pessoa que more em Bragança e para outra que more em Lisboa? Com condições climatéricas, niveis de preços, oferta de bens diferentes? Agora pensa à escala global?
Os 60% da mediana do rendimento de um país não são perfeitos e como disse devem ser complementados com outro indicador mas não são “só” uma medida de desigualdade social. Se “colásses” o limiar de pobreza ao salário mínimo ou a um cabaz mínimo de bens só ficarias um pouco melhor se não deitasses fora a tal medida de pobreza relativa, se as comparásses, mas ainda assim terás um critério arbitrário na definição dessas mesma fasquias. Se combinares a tal “medida de desigualdade” com um indicador de privação que apura se tens ou não tens determinado tipo de produtos ou o acesso a certas valências, ajustas um pouco mais o carácter relativo e absoluto da tua análise e já podes pôr em maior perspectiva os indicadores.
Termino sublinhado de que atendendo ao que já tive oportunidade de estudar, no caso português, não tenho grandes dúvidas de que o limiar de pobreza dos 60% da mediana do rendimento global é uma medida que aproxima razoavelemente o problema da pobreza em dimensão. O valor concreto da fasquia é tão baixo que não é espectável que os 20% nos induzam em grande erro mesmo se considerássemos outras medidas. Naturalmente o mesmo não sucede no Luxemburgo ou em Angola, duas situações onde a análise feita exclusivamente por este indicador seriam claramente mais pobres.
evita a pobreza
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