Haverá utilidade em saber em termos estatísticos quantas famílias portuguesas têm água canalizada, casa de banho, aquecimento, sistema de esgotos, cozinha, máquina de lavar roupa, televisão, rádio, automóvel, frigorífico, acesso a cuidados de saúde, acesso a meios de ensino, acesso à justiça, nível de instrução, emprego, posse da residência, capacidade de fazer face aos encargos da água, electricidade, renda, gás, salubridade no meio em que residem (poluição), sensação de perigo (risco associados à violência), capacidade mínima de comer uma refeição de carne ou peixe dia sim dia não?
Para mim há e uma família que se verifique estar em privação destes ou da maioria destes indicadores (e de outros que em 30 segundos não me ocorrem) e ainda em cima disto tem um nível de rendimento corrente inferior ao dos restantes 60% dos portugueses levanta-me a fortíssima suspeita de estar numa situação de pobreza extrema. E então se estiver abaixo dos 50% ou dos 40% ainda pior…
No nosso caso nacional acresce que também me parece que o simples facto de se ter um rendimento corrente inferior a 60% da mediana (e particularmente se isto ocorrer num mesmo agregado familiar de forma continuada no tempo) já é fonte de preocupação e muito provavelmente estará associado a um outro indicador: a incapacidade de fazer face aos encargos familiares contraídos ao longo de um mês. Digamos que não estamos propriamente no Luxemburgo e receber menos de 60% do rendimento mediano é por si só um bom indicador de aproximação a situações de pobreza porque estará muito mais próximo de um nível de indigência (um “tipo de pobreza” de que quase só africanos, asiáticos e especialmente americanos têm tido coragem de falar mas que também há por cá).
É claro que isto para o Jaquinzinhos deve ser uma anacletíce.
Podemos discutir como encarar a pobreza mas quanto ao resto…
Só não vê o país que tem quem não quer ver, caro amigo, e um rendimentozinho mínimo garantido pode fazer toda a diferença para muito boa gente.
Talvez a nossa diferença aí seja outra: se em 100 houver 10 falhas na atribuição do rendimento eu olho feliz, para quão melhor estão os 90.; você só verá o desperdício do investimento nos 10 e enquanto advoga (?) outras soluções vai-se perdendo muito compatriota. Primeiro o penso rápido e os paleativos depois a profilaxia do mal.
A este nível se eu deitar para o lixo 4 milhões em 40 e se com isso eu vir a proporção de portugueses abaixo deste limiar abstracto de pobreza diminuir, dou o dinheiro por muito bem empregue. Mas isto, como disse, até já é outra questão.
Resta primordial, sempre, o problema de querer ver a pobreza.
3 replies on “Eu pobre? Eu até vou à bola! (act.)”
Rui,
Penso que os indicadores estatísticos são importantes para avaliarmos alguns aspectos do nosso desenvolvimento enquanto sociedade.
Os critérios que referes no primeiro parágrafo são importantes. Quanto às análises que se podem fazer sobre os valores obtidos em cada um desses critérios, isso já é outro assunto.
Sabes se existem alguns critérios definidos pela ONU para classificar coisas como “pobreza” e “pobreza extrema”?
A ONU através de vários organismos, colabora e dinamiza o estudo da pobreza um pouco por todo o mundo e em vários estudo sob o seu patrocínio encontras vários indicadores.
Um limiar da mediana (ou da média) do valor do rendimento geralmente 50 ou 60% é uma das indicações. Contudo o enfoque da ONU, da OCDE, do Eurostat e até crescentemente do Banco Mundial tem sido no sentido de criar uma bateria de indicadores aplicados num mesmo momento a uma mesma sociedade, precisamente para teres uma imagem mais fina do problema e também para mitigares as insuficiências de um indicador meramente relativo. O cálculo de indicadores de privação ou mesmo de indicadores sintéticos de privação (crias um índice tendo por base a ausência de certas condições ou bens que consideras relevantes) é outra das abordagens complementares, assim como a avaliação subjectiva aferida junto das pessoas.
Quanto a situações extremas de pobreza (que na maior parte do planeta SÃO o problema) costuma aferir-se pelo cálculo de uma cabaz alimentar mínimo (cesta básica como lhe chamam os nosso amigos brasileiros) – e o seu custo – apurando-se depois quem tem capacidade financeira para o adquirir – neste caso abandonas boa parte da relatividade do problema ainda que subsista o “como definir o cabaz”.
A metodologia utilizada pelo INE encontra-se harmonizada a nível da União Europeia sendo que existem estudos exploratórios para procurar outras vertentes de análise. A maior lacuna na nossa informação estatística (além da falta de divulgação e da divulgação com menor desfazamento face à recolha dos dados) talvez seja a dificuldade que temos em avaliar da persistência da pobreza. O máximo que vamos tendo com os dados disponíveis é uma avaliação a três, quatro anos mas verdadeiramente importante é ter uma percepção geracional da pobreza – julgo que haja alguns investigadores a estudar esta outra perspectiva.
Uma pesquisa no arquivo Adufe e na Net dá-te muita informação sobre o assunto.
Concordo em absoluto com a sua visão do Rendimento Mínimo. Não acha estranho que estes senhores que se dizem apologistas dos ideais cristãos, sejam tão pouco “católicos” nestas matérias de solidariedade?
Por curiosidade, teve oportunidade de analisar um quadro comparativo do Banco de Portugal onde se estabelece a evolução do lucro e dos salários relativamente ao Pib, de 1973 a 2003?
Vou postá-lo no meu blog hoje à noite ou amanhã.
O quadro fala por si.