Alguns mais atentos já terão percebido que o que se passa no Instituto Nacional de Estatística me é um assunto muito caro. Hoje peço-vos que dediquem alguns minutos a ler o artigo de opinião de António Borges publicado no Diário Económico.
Quase em surdina chama a atenção para mais um sinal preocupante que corre o risco de passar despercebido e que pode indiciar mais uma vez que pouco se aprendeu com o passado. De novo a falta de coragem política para atacar os problemas existem por essa administração pública fora resolvendo os problemas como se fossemos um menino rico, estragado com mimos. Mas leiam (os sublinhados são meus):

A politização das contas

Este é mais um exemplo de um dos principais males da vida política portuguesa.

ANTÓNIO BORGES

Segundo as notícias que vão chegando à opinião pública, a Assembleia da República e o Banco de Portugal estariam em estreita colaboração a preparar um novo organismo que assumiria a responsabilidade de acompanhar as contas públicas e fornecer a análise independente e rigorosa que alegadamente tem faltado. Sob a responsabilidade política do Parlamento e com a competência técnica do Banco de Portugal, acabariam as controvérsias quanto aos verdadeiros valores do ‘déficit’ da execução orçamental, etc. A ideia é péssima.

Em primeiro lugar, este é mais um exemplo de um dos principais males da vida política portuguesa. Se não se está satisfeito com o desempenho de algum organismo ou departamento do Estado, cria-se um novo. Reformar o que existe é um esforço sem esperança. Mais vale começar de novo. Mas como também não se pode pôr fim a nenhuma instituição, a nova e a antiga ficam a funcionar em paralelo, com duplicação de funções e total desperdício.

Depois, é no mínimo estranho que se pretenda obter uma avaliação independente das contas públicas quando ela fica sob a responsabilidade política do Parlamento. A Assembleia da República é, constitucionalmente, o mais político de todos os órgãos de soberania, aquele em que a lógica partidária é mais forte e onde a perspectiva estritamente política mais peso tem. Vê-se bem como, em todas as questões importantes, as decisões da Assembleia ou das suas Comissões seguem linhas estritamente partidárias. A Assembleia existe para dar voz às posições diferentes dos vários partidos, não para gerar consensos ou visões independentes.

É certo que nos Estados Unidos da América a análise das contas públicas e as projecções orçamentais são feitas por um organismo do Congresso. Mas o paralelo não se aplica a Portugal. Nos EUA o orçamento é da responsabilidade do Congresso, os congressistas têm um papel extremamente activo na sua preparação e nas inúmeras modificações que introduzem e não poderiam seriamente fazer esse trabalho político sem ter ao seu dispor um órgão profissional que os apoiasse. Ora em Portugal, como em todas as democracias europeias, o orçamento não é elaborado da mesma forma: é preparado pelo Governo e apresentado à Assembleia, que eventualmente vota modificações que têm de novo de ser estudadas e preparadas pelo Governo.

Há ainda um elemento muito negativo no envolvimento do Banco de Portugal na análise das contas públicas em conjunto com a Assembleia da República. O Banco de Portugal está hoje isento de influência política directa e conquistou uma mercada e importante reputação de seriedade e de independência. O seu envolvimento em questões de uma sensibilidade política extrema não é desejável, sobretudo se feita sob a orientação da Assembleia, onde a perspectiva política nunca pode estar ausente. O banco central provavelmente já ultrapassou o limite do que seria prudente, ao pronunciar-se de forma tão comprometida sobre as “verdadeiras contas públicas” de 2001 ou o “verdadeiro orçamento” de 2005. A forma como as suas análises são utilizadas e as controvérsias a que essa utilização dá origem não contribuem para manter a imagem de isenção e independência do Banco de Portugal que é absolutamente essencial ao País.

É muito deplorável que o País aceite sem pestanejar que a Administração Pública não é de confiar e que, sujeitos a pressões políticas, os funcionários públicos são incapazes de fazer trabalho honesto: no caso concreto das contas públicas, por maioria de razão, uma vez que várias entidades independentes se tem de pronunciar sobre elas. Desde logo o Ministério das Finanças, que centraliza toda a informação; depois, o Banco de Portugal que, no contexto da sua responsabilidade de análise económica e financeira e de produção de estatísticas monetárias e financeiras, tem uma perspectiva separada e insubstituível; e, por último, o Instituto Nacional de Estatística, a quem compete produzir contas nacionais isentas, rigorosas e a tempo.

Todos aqueles que não estão contentes com o actual estado de coisas, no que respeita à fiabilidade da informação sobre as contas públicas, fariam melhor em insistir na independência do INE, dotá-lo de meios e responsabilizá-lo pelos resultados do seu trabalho, ao mesmo tempo que deveriam insistir na seriedade dos departamentos do Ministério das Finanças e na colaboração estreita com o Banco de Portugal, fora de pressões políticas de qualquer natureza.

ANTÓNIO BORGES é economista e assina esta coluna quinzenalmente à segunda-feira.”

in Diário Económico de 1/Ago/2005

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