Um cartoonista Dinamarquês ofendeu boa parte da comunidade islâmica mundial porque, no seu jornal lido na Dinamarca e suponho que escrito em Dinamarquês onde seguramente tem uma ínfima minoria de leitores muçulmanos, representou os muçulmanos (simbolizados pelo profeta Maomé) como a raiz do terrorismo no mundo e de só terem a violência na cabeça – parece que lhe imputaram injustamente cartoons "mais" ofensivos, o que não sendo facto irrelevante, não interessa muito para a questão de fundo.

Como resposta a essas ofensas e após sairem hoje das mesquitas, muçulmanos espalhados um pouco por todo o planeta queimaram a bandeira dinamarquesa e ameaçaram de morte quem assim os tinha ofendido, sendo que entre os ofensores se incluiam ora os dinamarqueses ora todo o mundo ocidental.

Como saímos disto? A liberdade de imprensa e de expressão tem limites bem mais rigorosos no mundo do Islão, tantas vezes constituido por estados confessionais. O problema maior é a forma como se vive a religião e como esta determina a forma como nos inserimos e interagimos com o mundo. Enquanto alguém de outra religião poder blasfemar outra, não teremos paz neste planeta.

Explico-me melhor: o problema não está nos cartoons, está simplesmente em reconhecermos como capaz de produzir blasfémia alguém que não pertence à nossa religião. Enquanto assim for, o simples facto de se ter uma religião diferente é um acto de blasfémia, o que, reunidos os condimentos necessários, poderá ser meio caminho andado para violência. Por exemplo, acreditar em Cristo enquanto filho de Deus é chamar mentiroso ao profeta Maomé… E daqui não saímos, há quase dois mil anos.

A esperança talvez venha no dia em que a resposta à afronta caricatural surja na forma gloriosa de uma outra caricatura. Não haverá bom humor entre cartoonistas do Islão? Como seria bom que assim fosse, seguramente que a reacção do outro lado não envolveria tantos dentes cerrados, bandeiras queimadas e punhos fechados em sinal de promessa.

O que é certo é que até ao momento nem uma voz se ouviu "do outro lado" que não alinhasse pela exacerbação. "Do lado de cá" ouve-se todo o tipo de disparates. Disparates perigosos alguns, não por invocarem uma escalada violenta ao abrigo da reacção islâmica, mas perigosos por que nos dão como fracos na defesa dos nossos princípios civilizacionais, nomeadamente o da liberdade de expressão.

Quero poder continuar a escrever, dizer ou desenhar que espero vida curta para a forma como é vivida a religião dos muçulmanos que hoje apareceram nas televisões. Notem que já estivemos bem mais longe desse mundo nefasto de sucessivas confrontações – frequentes na altura em que os "deste lado" não se distinguiam dos restantes, por exemplo. Espero é não ter que concluir que já estivemos ainda mais longe desse passado sangrento do que agora.

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