“Como se aproxima a abertura do ano lectivo fui com as minhas filhas comprar os manuais escolares. Como também sou docente, algumas das editoras fazem um desconto que aproveito deslocando-me à s suas instalações. Quando metia os livros no saco de plástico, o simpático empregado de uma delas ofereceu-me um exemplar de uma âAgenda do Professorâ? em formato de papel. Achei a ideia interessante, apesar de estar fora do âmbito do choque tecnológico. Quando cheguei a casa peguei na dita para ver até que ponto me poderia ser útil, apesar de se destinar ao ensino secundário.
Ao desfolhá-la rapidamente, verifiquei que das 112 páginas que a compõem, uma boa parte estava escrita com informação respeitante a âLegislação Profissionalâ?. Ao todo 42 páginas de legislação profissional! (…)”
João Duque no Semanário Económico (artigo completo aqui).
No mesmo jornal recomenda também a leitura da entrevista a Nuno Ribeiro da Silva.
2 replies on “As faltas dos professores”
Talvez fosse interessante investigar, junto da ADSE, por exemplo, quais são os funcionários públicos que mais usam a baixa psiquiátrica, que mais consomem antidepressivos, ansiolíticos e sedativos hipnóticos (vulgo, comprimidos para dormir).
E talvez fosse importante investigar porquê?
E se calhar teríamos todos uma grande surpresa ao descobrir o que os nossos ricos meninos são e fazem na escola.
E talvez fosse conveniente informar o público que, por maior que seja a vocação, um professor de 42 anos de idade e 20 de serviço já não tem, nem física nem psicologicamente, capacidade de suportar, sem atingir o rápido esgotamento, 8 horas diárias e lectivas de aulas a turmas com 28 anjos deste tempo. Não tem voz nem pernas nem espírito. Perdeu-os ao longo do que foi dando.
E talvez conviesse saber que dar aulas não é o mesmo que estar sentado na secretária a fazer contas difíceis.
Talvez fosse interessante perceber por que motivo um professor de 42 anos de idade e 20 de carreira, que por vocação e espírito de missão deu o melhor de si às pessoas que formou, que passou por todas as reformas e programas que lhe impingiram, de 4 em 4 anos, afirma que o ensino é, hoje, uma profissão de risco, de desgaste rápido, mal paga e injustamente perseguida.
Quanto à senhora professora que se indigna com a legislação de que pode beneficiar, se precisar, e que outros conseguiram para si, desejo, sinceramente, os melhores votos de boa saúde, poucas turmas, pequenas, todas do mesmo nível e, de preferência, numa zona privilegiada algures pelo país.
Agradeço o tempo de antena.
O que é mais engraçado Isabela (a propósito do sentado a fazer contas dificeis) é que alguns escassos segundos antes de ler o teu comentário estava a passar os olhos por um comunicado do sindicato (Sitese) onde se divulgavam alguns dados do balanço social do INE de 2004 (Um balanço que a direcção do INE parece ter feito grande esforço em ocultar) no qual se podem ver números assustadores de incremento de baixas médicas seguramente fruto de muitos anos acumulados de frustrações e de tratamentos crescentemente degradantes. As depressões e outras maleitas psicológicas dispararam em flecha no INE (tendo comprovado algumas deles bem de perto).
Felizmente ainda não cheguei ao ponto de querer ganhar na contenda sobre quem tem a pior profissão do mundo, mas reconheço que o que tu não sabes que eu sei e o que eu não sei que tu sabes estão sempre contra nós e nunca por nós.
Diz-me tu de tua justiça que eu fico chocado com essa normalidade insuportável de cujo um dos cúmulos é a agenda do professor, que eu tentarei fazer o mesmo por aqui.
Se o propósito da revelação contida na agenda do professor é manifestamente chocar , o choque tanto pode vur de um julgamento preconceituoso mais ou menos injusto quanto pode servir para revoltar perante a normalidade de uma situação inaceitável. De caminho, na procura das causas e nas soluções tenho também uma coisa como certa: por aqui, entre estas centenas de trabalhadores do INE, e por aí entre as dezenas de milhares de colegas teus, há profissionais que não merecem esse nome e que adoram esta normalidade deprimente que tudo lhes justifica, uns por terem desistido outros por nunca o terem sido, eles são um lastro crescente que nos arrasta para o fundo e que não merecem tréguas. São também eles que servem de pretexto para a erosão crescente de direitos e de motivação que vão fazendo escola e não fantasmas inventados pelo poder político.
Por outras, feita a acusação há sempre direito à defesa. Podemos contentar-nos em nos recriminarmos uns aos outros ou podemos tentar fazer alguma coisa. Enquanto formos capazes de nos sentir acossados temos sempre essas duas alternativas à mão.
Tempo de antena sempre às ordens.