Cavaco:
No seu devido tempo Durão Barroso também há-de ser recordado como um bom primeiro-ministro (talvez daqui a 5 ou 10 anos). Santana Lopes ajudou-nos desde logo a ver DB com mais simpatia. Só assim, por este fenómeno de “perdão” bem menos saudável ao nível da governação do que ao nível das nossas muito íntimas tricas quotidianas, se percebe esta onda de salvação da pátria por via de Cavaco Silva que dizem andar por aí.
E sublinho-o quando o que se visa destacar do professor foi o seu paradigma de governação ao nível das contas públicas. Descansa-me um pouco a escassa possibilidade de interferência do dito professor a esse níivel, caso venha a ser eleito presidente. Descansa-me também o seu perfil calculista e um pouco acomodado/averso ao risco pessoal (só assim percebo mais este tabu algo nauseante) que o deverá levar a tentar não fazer metade das ondas que lhe adivinham para não pôr em risco um segundo mandato.
Afinal Cavaco Silva não deve um cêntimo ao PSD, não se esqueçam disso meus caros, e prepara-se para, no curto prazo, lhe tentar oferecer uma ilusória taluda. Ser Presidente da Republica será seguramente uma bela actividade para iniciar uma reforma activa ma non tropo. E provavelmente não será nenhuma desgraça para Portugal.
Recordando a aura de competência nas finanças que agora atribuem a Cavaco (que eu comparo pouco abonatoriamente à de Manuela Ferreira Leite, sua amiga de longa data), prefiro de longe, nesse aspecto, o que tem sido feito pelo actual governo a nível da reforma da administração pública – ainda que mal assumida pois mais desculpada pelo défice do que reconhecida como um exercício de elementar justiça nacional; apesar das Otas e dos TGV latentes, apesar dos boys recorrentes… Em tudo isso será muito difícil Sócrates conseguir bater aos pontos a herança cavaquista. Temos autênticos hinos à governação do actual proto-candidato presidencial espalhados pelo país, rivalizando com Estádio do Euro 2004 ou Otas prometidas, como sejam o inenarrável IP5 e outros tantos IPS ou ainda o mais “prosáico” e banalizado Centro Cultural de Belém, sem esquecer a rédea solta no regime de remuneração/progressão de carreiras dos professores do saudoso ano de 1989 (se não estou em erro)… Para já não me atrever sequer a comparar as conjunturas. Nem Guterres teve tamanha oportunidade de, com tanto, fazer tão pouco (ainda que tenha tentado afincadamente, reconheça-se).
Só é preciso ter um bocadinho de memória e acalmar o desespero que leva aos salvadores da pátria.
Se o leitor já tomou partido é natural que isto tudo lhe pareça muito mal ou muito bem, mas acredite que é o máximo que lhe consigo oferecer numa tentativa de analisar esforçadamente o valor do que por aí se diz face ao que por aí se parece esperar.
Pouco ou nada se tem dito de Cavaco quanto ao que poderá ser enquanto presidente condicionado como está o seu papel no regime português. E muito poucos dos seus apoiantes de longa data com que tenho falado, querem sequer aproximar-se de um pensamento realista. Há uma espécie de sentimento de desforra latente que me parece de todo irracional. Evitam perceber o que é exactamente isso de se ser presidente em Portugal. E nos casos mais doentios sonha-se mesmo com uma vingança linear à direita da “travessura” de Sampaio ao convocar eleições. Dramatiza-se disparatadamente, avaliam-se seis meses de governação como se de quatro anos se tratassem, assumem-se virgindades descartáveis sem um pingo de vergonha ou de auto-critica tentando recuperar a colagem que não vingou nas legislativas entre Sócrates e Santana, o mesmo Santana que quis salvar o país contra ventos e marés (o António Duarte hoje personificou bem este papel, particularmente nos comentários ao seu post).
Talvez Cavaco, ele próprio, venha esvaziar o balão recentrando a sua campanha quando esta começar. Espero que o faça, pois é um balão que poderá rebentar-lhe/nos na cara se não o esvaziar com tacto e no devido tempo. Chegará mesmo a presidente? Isso são outros quinhentos.
Alegre, Soares e os Outros:
Alegra-me mas não me ânima. Tal como verdadeiramente não me anima Soares ou qualquer outro candidato, a verdade é essa. Na parte da nossa vida colectiva a que se referem estas eleições, o país ficará provavelmente adiado mais uma vez. Todos eles contribuem para a evidência de estarmos numa encruzilhada política, num esgotamento que, a avaliar pela acomodação à ladainha de sempre ao nível da oposição, não augura nada de novo nos anos que se avizinham.
Também é verdade que me falta paciência para alguma excessiva arrogância Soarista. E é ainda verdade que, dito tudo isto (que é o que mais importa), Alegre oferece-nos (particularmente aos militantes e simpatizantes do PS que se preparavam para não votar ou para votar em Cavaco), uma clara e muito natural forma de lançar uma descarga eléctrica bem mais direccionada aos “desvios” do governo e do PS, preterindo Soares a Alegre no momento do voto. Será sempre um saco onde tudo caberá, desde o que protesta pelos seus direitos adquiridos diminuidos, até ao que viu na nomeação de Armando Vara ou no aumento dos impostos, o fim do estado de graça do actual governo, mas será sempre um choque bem mais direccionado do que o voto autárquico, difuso nas especificidades locais, por natureza.
O melhor é mesmo esperar pela campanha presidencial para decidir.
Uma nota final sobre as autárquicas: neste caso cada um sabe de si e neste momento continuo certo que irei votar contra Carrilho e contra as escolhas de Jorge Coelho e de José Sócrates (um bónus nada desprezível perante o atestado de estupidez implícito aos eleitores em algumas câmaras do país), tentando escolher o melhor para a minha qualidade de vida na capital.
Haja Gente à coca no seio do PS que o tempo para marcar terreno vai chegar bem mais cedo do que se poderia esperar. Talvez daí se perceba o frenesim, o entrincheiramento precoce que levou a muitas das asneiras e precipitações deste governo/partido que por vezes nem parece saber (ainda*) o que fazer à maioria absoluta que tem.
* Ainda tenho margem para a esperança, para alguma aprendizagem, que isto de passar de estados de graça para a desgraça absoluta não é para todos.