A pergunta do título será provocatória, mas faz sentido analisarmos o status quo no setor empresarial do Estado pegando num exemplo concreto.

O caso da CP

O jornal Publico divulgou uma peça sobre as oficinas de Guifões da CP sob o título “Falta de trabalhadores compromete recuperação de carruagens que fazem falta à CP” e com o lead “Quatro anos depois da reabertura, oficinas de Guifões lutam com falta de pessoal para recuperar as carruagens que a CP comprou a Espanha.”

Segundo a peça de Carlos Cipriano, um dos pouco jornalistas da nossa praça que conhece profundamente o setor ferroviário e a CP em particular, a recuperação do mercado no pós-pandemia está a ter um impacto muito negativo na capacidade de trabalho das oficinas, pois os seus trabalhadores estão a ser aliciados por outros empregadores disponíveis para oferecer melhores salários.
O valor das oficinas, reativadas em 2020 quando Pedro Nuno Santos assumiu a pasta das infraestruturas, tem sido inestimável na recuperação de material circulante crítico para a operação da CP, conferindo-lhe uma capacidade de serviço que já não tinha há muitos anos e evitando que os anos entre as necessárias encomendas de novo material e o momento da sua entregam sejam especialmente penosos por incapacidade de resposta.
As oficinais têm conseguido dotar a CP de meios, recuperando com elevada qualidade e fiabilidade, equipamentos erradamente considerados inúteis, fazendo-o a uma fração do valor de substituição e num intervalo de tempo incomparável.
A questão é que com as fugas de pessoal em busca de melhores condições, essa mesma capacidade está agora a ser colocada em causa.

“(…) Falta de trabalhadores compromete recuperação de carruagens que fazem falta à CP
Para um operário em início de carreira, a CP não está autorizada a pagar mais do que 980,74 euros por mês. Há ainda o subsídio de alimentação e a empresa fornece cantina, balneário, um passe gratuito e o comboio operário de Contumil a Guifões (um privilégio para chegar ao trabalho porque é o único serviço de passageiros que circula na subaproveitada Linha de Leixões). Mas isso não é suficiente para segurar a mão-de-obra. Em 54 contratações recentes, dez saíram por lhes terem oferecido melhores condições. (…)”

 

Mas se o ganho associado às oficinas é tão significativo, porque não pode a empresa reagir ao mercado, nomeadamente, oferecendo melhores condições aos seus trabalhadores?
A questão é que a CP sendo uma empresa pública, com a legislação em vigor, tem limitações associadas às suas carreiras profissionais. Limitações essas que não podem ser superadas pela administração da empresa de forma autónoma.

De facto, qualquer alteração nas carreiras do pessoal desta empresa depende de uma autorização do Ministério das Finanças. Autorização essa que implicará sempre passar por um crivo técnico-burocrático do aparelho do Estado, uma realidade muito distinta da que é enfrentada por uma empresa do mesmo setor que pertença ao setor privado.

 

Mas é esta falta de autonomia uma obrigação inevitável associada a todas as empresas públicas?

Não, é uma opção política do governo de cada momento.

Sendo natural que existam diretrizes estratégicas claras dadas pelo acionista às suas empresas (que neste caso é o Estado), tal não implica que dentro dos parâmetros da boa gestão, as administrações não tenham autonomia para definir salários, investimentos, caso isso se mostre sustentável e adequado à própria realidade do mercado.

Porque é que tal avaliação tem de ser escrutinada pelo Ministério das Finanças numa lógica de micro-gestão centralizada e de visto prévio, necessariamente moroso, é algo no mínimo discutível.

 

As administrações são incompetentes para sofrerem esta infantilização?

Se são então há que resolver o tema da qualidade dos gestores público. Perfis técnicos mais exigentes, mas necessariamente melhor remunerados recorrendo a concursos públicos internacionais e evitando recrutamento estritamente político? Uma solução hibrida face a este cenário e o atual?

Seja como for, em tese, o exercício de controlo centralizado justifica-se para manter uma rédea curta sobre as despesas correntes e de investimento, mas, na prática, impede qualquer hipótese de gestão eficiente.

É impossível um serviço central do Ministério das Finanças substituir-se em conhecimento, celeridade e acerto à tomada de decisão de gestão de múltiplas empresas em múltiplos setores com realidade necessariamente muito distintas.

 

Não será possível usar os mesmos critérios usados numa empresa privada, oferecendo muito maior agilidade à gestão?

É possível e atrevo-me a dizer que é desejável. O setor público terá sempre limitações importantes ao nível da contratação que serão já um grane desafio, mesmo que sejam melhoradas. Juntar a essas limitações camadas adicionais de burocracia e de dilação temporal só pode levar a uma gestão ineficiente de recursos e a resultados muito aquém do desejado.

No limite pode mesmo colocar em causa a viabilidade e o sucesso das empresas.

A CP é uma dessas empresas que está agora ameaçada. É certo que muito foi feito para viabilizar a empresa, nomeadamente reconhecendo e limpando o lastro de dívida que foi forçada a assumir durante décadas, atribuindo-lhe um contrato de serviço público com métricas claras e compensação condizente e permitindo-lhe planear a atividade com um horizonte longo, indispensável para poder singrar num mercado liberalizado e concorrencial.

Mas…  Se a interferência na gestão corrente persistir, se os instrumentos de gestão ao dispor de uma administração pública continuarem limitativos e muito aquém da flexibilidade necessário num negócio competitivo, a história poderá não acabar bem.

Este artigo surge na sequência de “Das perguntas para o PS em 2024 e do excesso de orgulho na herança governativa“, procurando respostas.

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