Em outubro de 2022, 0 governo do Partido Socialista anunciava na sua proposta de Orçamento do Estado para 2023, uma meta ambiciosa para o défice do Estado: uma redução do défice de 1,9% do PIB esperado para 2022 para um défice de 0,9% em 2023.

Números redondos, à data de apresentação do Orçamento do Estado para 2023 esperava-se descer o défice de €4.430 milhões em 2022 para €2.207 milhões.

E foi com este pressuposto que se preparou todo o Orçamento do Estado. Em baixo surge um extrato do Relatório do Orçamento do Estado para 2023 apresentado à Assembleia da República. Ai surge o detalhe para passagem de saldos de contabilidade pública a contabilidade nacional.


Volvidos cerca de 18 meses, o cenário é do de termos fechado o ano com o excedente de €3.194 milhões, o maior desde que há registos, correspondendo a 1,2% do PIB de 2023.

É certo que foi apenas o 9º ajustamento mais elevado desde 1995 mas torna-se especialmente significativo por ter superado a barreira, passando de défice a excedente, ver aqui: “Melhoria do saldo orçamental de 2023 foi apenas a 9ª melhor desde 1995“.

Um desvio de €5.401 milhões face ao inicialmente projetado, correspondendo a cerca de 2,1% do PIB.

Note-se que o défice de 2022, de facto, ficou ele próprio muito acima do que se antecipava em outubro de 2022. Poucos meses depois, constatava-se que afinal seria muito inferior apenas 0,3%.

Naturalmente, este desvio que só com muito bonomia podemos acreditar não ser, pelo menos parcialmente, já conhecido a três meses do ano fechar, teve um impacto muito favorável no próprio défice de 2023. Ainda assim, atingir o valor de 1,2% surge como uma surpresa para todos fora do Ministério das Finanças.

A dívida pública fechou 2023 nos 99,1% e o excedente rebentou com a escala, nos 1,2%.

Isto não são boas notícias? Para quê o título agridoce?

A verdade é que hoje ninguém no PS questionará a necessidade de se manterem contas certas. De não se dar um passo maior do que a perna. De se continuarem a cumprir as metas inerentes à nossa condição de membro da Zona Euro e da União Europeia.

Mas aceitar estas balizas não implica apoiar toda e qualquer forma de se atingir tais metas, em particular quando o ritmo e as consequências desse ritmo ultrapassam largamente o que é esperado do país, o que foi acordado com a Comissão Europeia e o que foi aprovado pela nossa Assembleia da República.

É caso para dizer que contas certas não são contas certíssimas.

A dimensão do desvio vai muito para lá do que é aceitável como natural no conjunto de incertezas que sempre condicionarão a atividade económica.

Este excedente foi atingido impondo perdas de poder de compra à grande maioria dos trabalhadores do Estado não tendo conseguido repor a ainda maior perda de poder de compra registada em 2022.

E isto sucede num contexto onde o setor privado conseguiu oferecer maiores aumentos saláriais.

Estas constatações poderiam não ser muito significativas por si, mas são a partir do momento em que surgem em cima de muitos anos de degradação das condições de trabalho, não só remuneratórias,. Em cima da fuga dos melhores e mais dinâmicos quadros para o setor privado, para a reforma antecipada, com focos de tensão num leque cada vez mais vasto de setores onde a capacidade produtiva do Estado está efetivamente a saque por muito maior capacidade de recrutamento do setor privado e cada vez maior repúdio em servir o Estado e em fazer nele carreira.

Nunca desde que há registos (1995), o país dedicou uma fatia tão pequena dos seus recursos a pagar aos trabalhadores do Estado quanto em 2023 (10,5%). E em termos de despesa corrente primária será necessário recuar até 2002 para encontrar um peso no PIB mais baixo.

E isto acontece num contexto de fortíssima contestação social dentro do Estado, onde os polícias, pessoal de Saúde, pessoal da Justiça e da Educação têm sido apenas os mais vocais.

E acontece também num contexto de sucessiva incapacidade de executar investimento ao nível proposto pelo próprio governo no parlamento, ano após ano. Tendo como consequência a redução da capacidade de resposta instalada em múltiplos setor, no sucessivos adiamento ou eternização de obras cruciais, na infantilização dos administradores públicos, impossibilitados de terem acesso a condições equiparáveis às da boa gestão privada.

O PS continuou a consolidar as contas públicas e bem, mas continuou a fazê-lo demasiadas vezes de forma cega. A posição por defeito continuou a ser a mesma de 2014 ou de 2016. Uma posição onde “Reduzir despesa, reduzir investimento, reduzir autonomia de gestão é sempre bom“.

Uma espécie de TINA (There Is No Alternative) à lá PS.

Para ser uma alternativa, o PS tem de ir além das contas certíssimas

Tem de encontrar um meio termo mais honesto e muito mais capaz de envolver os eleitores. Ser muito mais aspiracional com base em ideias e planos estruturados para cada setor e muito menos cínico, reativo e mistificador.
E, desde logo, mais respeitador dos seus próprios compromissos, onde as propostas de orçamento devem ser sempre exercícios realistas e não taticamente mistificadores para gerir expectativas.

A infantilização do próprio eleitorado gera fatalmente dois efeitos, acabará por afastar os que entendem claramente o que foi feito, e acabará, também, por afastar os que não percebendo inteiramente a maquinação conseguem perceber quando foram enganados.

Restarão os hiper-fieis e os que estão entalados perante uma opção desapaixonada e uma opção horrível.

Creio que não é assim tão difícil oferecer melhor ao país. Venha de lá o novo impulso, após reflexão humilde e realista.

É preciso preparar, na oposição, as novas políticas de governo, com as pessoas que fogem de nós e de quem por vezes também fugimos ou ignoramos, com um partido menos enclausurado e mais competente.

Menos enquistado por lutas palacianas e mais preocupado em sobreviver e depois prosperar.

Mais capaz de avaliar as políticas com base nos seus efeitos e menos com base nos preconceitos.

Se for por aí. o PS conseguirá ser fiel aos seus princípios que continuam a poder ser partilhados por uma vasta maioria de portugueses.

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