Eu sei que com tantos desmandos, desvarios, irresponsabilidades e incompetências ao longo dos últimos anos, a Câmara de Lisboa está perto da falência, contudo, permitam-me sublinhar uma parte dos efeitos nefastos da tentativa de saneamento por via fiscal.
Surge hoje a notícia que o a Câmara de Lisboa vai encostar todas as taxas e impostos que controla ao limite máximo permitido por lei (faltará saber o que se passará com a derrama se não estou em erro). O IMI mais alto possível, 0% de devolução de IRS que nalguns concelhos poderá chegar a 5%, enfim, o pior cenário possível em termos de carga fiscal.
E notem que o aumento da carga fiscal se faz não para garantir mais serviços públicos do que os tradicionalmente existentes mas para que uma parte dos que actualmente são prestados se possa manter e, eventualmente (um eventualmente muito sublinhado e dependente de reduções na despesa), permitir alguma folga para intervenções estruturais urgentes.
Em suma, tudo medidas que ajudarão a contribuir para que Lisboa seja cada vez menos interessante enquanto local de residência. É difícil comprar casa em Lisboa; é igualmente difícil manter uma casa em Lisboa. Dirão que a alternativa seria ainda pior, que pelo lado da despesa não há margem para fazer num ápice todo o esforço de equilíbrio financeiro. Com as soluções disponíveis no presente, isso é provavelmente verdade. Fica no entanto esta sensação de destino inevitável: o de um esvaziamento humano continuado da capital do País.
Quanto custa ao Estado cada português que trabalhando em Lisboa decide ir morar para um concelho da periferia? Quanto se pouparia se houvesse um retorno de população residente à capital? Em quanto se rentabilizariam os próprios serviços públicos e infra-estruturas se isso acontecesse? Uma forma de “reduzir a despesa” poderia passar por colocar os mesmos recursos já existentes na capital a servirem mais população, aliviando as câmaras limítrofes que estão em muitos casos literalmente “à nora” com o crescimento populacional que enfrentam.
Estas são perguntas que não interessam a um presidente da câmara enquanto tal e cujas respostas são essenciais se queremos estruturar de forma minimamente coerente o espaço e o investimento público com fito ao bem da comunidade.
Em suma, não me parece que seja com cada presidente da câmara a tratar isoladamente da pesada ou menos pesada herança que lhe calhou em sorte que se possa perspectivar uma vida melhor na área metropolitana de Lisboa. Nem será apenas com os tectos de endividamento impostos pelo governo central que tudo entrará nos eixos da melhor forma possível para as populações.
Responder a este desafio é incompatível com o próprio sistema político que temos. Não vos parece?
ADENDA: O Luís Novaes Tito também abordou de forma crítica esta pouco original medida camarária em “Continua o assalto [ I ]“. E via Luís chego à notícia de que em Sintra o caminho é o oposto.
3 replies on “Lisboa e arredores: um problema fora do alcance das capacidades camarárias (Act.)”
[…] “Quanto custa ao Estado cada português que trabalhando em Lisboa decide ir morar para um concelho da periferia? Quanto se pouparia se houvesse um retorno de população residente à capital? Em quanto se rentabilizariam os próprios serviços públicos e infra-estruturas se isso acontecesse? Uma forma de “reduzir a despesa” poderia passar por colocar os mesmos recursos já existentes na capital a servirem mais população, aliviando as câmaras limítrofes que estão em muitos casos literalmente “à nora” com o crescimento populacional que enfrentam.” Excerto de “Lisboa e arredores: um problema fora do alcance das capacidades camarárias“ […]
“Quanto custa ao Estado cada português que trabalhando em Lisboa decide ir morar para um concelho da periferia?”
A maneira como fazes a pergunta “Quanto custa ao estado” é também uma das razões para o problema. Se a pergunta não fosse “quanto custa ao estado” mas “quanto custa à sociedade”, as respostas seriam muito mais construtivas. Temos esta mania de olhar para o deve e haver do estado como algo que nos diz respeitocomo se fosse o nosso deve e haver. Não é. O Haver do Estado é o nosso Deve.
Para o indivíduo, a pergunta nem se põe. Quem decide ir morar para a periferia sabe muito bem as suas razões.
Não desprezo a tua pergunta JCD, antes pelo contrário.
Quando pergunto logo a seguir “Quanto se pouparia se houvesse um retorno de população residente à capital?” estava a pensar numa perspectiva mais genérica, numa poupança ou ganho da sociedade. Mas admito que pareça que estava numa de pensamento único: na contabilidade pública.
Para mim são muito relevantes as duas perspectivas. O Estado está contido na sociedade e é um prestador de serviços com custos associados para os quais em contribuo de forma mais ou menos empenhada. Fazer estas perguntas, mesmo as focalizadas exclusivamente no Estado, mas tendo de ser confrontadas com o quotidiano da vida de cada um, tornando assim evidente a intima ligação de múltiplos problemas, não me parece que seja parte do problema. Nem sequer para a tua perspectiva simplista de Estado a quem deves e de quem não recebes. Ou o Deve do Estado não é também o teu Haver?