" (…) A pele desaparecera das mãos, dos braços, restava apenas uma ruína denunciada por manchas e crateras que foram proliferando como ervas daninhas. Na face e no pescoço, escondera-se nas suas próprias pregas e rugas, ou então criara a sua arte, moldando-se caprichosamente num rosto singular, em permanente mudança.
Era seguro que o seu tempo estava contado, sempre estivera, para quê pensar nisso? Porquê não pensar? Quando se encostava ali, na rua, ao mundo, era imortal. Não era imortal como o são as crianças ou os adolescentes, era imortal como são os que respondem à dificuldade com um olhar no espelho, procurando encontrar a chama que os faz arribar. O pânico da morte que tantas vezes o assaltara quando jovem, era afinal o pânico de estar vivo. Agora, se havia bem que prezava era essa herança que ainda tinha: viver gozando sem dano insuportável até à inexorável partida. (…)"