Quando Nicolau Santos, já interiorizou a suspeita no Expresso On-line:

(…) Como Orlando Caliço bem sabe, o bom senso de que ele dá mostras está muito longe de ser extensível a todo o Governo. Por isso, eu prefiro que seja o Parlamento a nomear os membros da CACI [Conselho de Administração de Contribuições e Impostos], com a aprovação de dois terços dos deputados. Há coisas com que não se brinca. E não se pode deixar aberta a porta à tentação de utilizar o fisco contra os que não apreciam este Governo.

A polícia fiscal tem de ser controlada

«Não vamos criar uma PIDE fiscal», afirma, em entrevista ao EXPRESSO, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Orlando Caliço, ao esclarecer a forma como as Finanças pretendem acabar com o escândalo da evasão e fraude fiscal.

E, no entanto, Orlando Caliço, por quem tenho consideração pessoal e profissional, não deixa os contribuintes cumpridores tranquilos. E não deixa por três ordens de razões.

Diz Caliço que o alargamento do método de avaliação indirecta do imposto a pagar, quando o fisco considerar que existe uma diferença de um terço entre o rendimento declarado e o acréscimo patrimonial ou o consumo exteriorizado, foi pensado para um número de casos limitados e flagrantes. Mas deixa subentendido que esses casos não estão tipificados na lei e que será o futuro Conselho de Administração de Contribuições e Impostos a fazer essa avaliação subjectiva, a escolher quem será «vítima» desta forma de avaliação fiscal e quem será o contribuinte que terá o ónus de provar que não ganha mais do que aquilo que declarou no IRS. Ora, como Rogério Fernandes Ferreira, um conhecido fiscalista, bem alerta, é uma missão diabólica para o contribuinte provar que não fugiu ao fisco.

A segunda questão é o acesso às contas bancárias, sem autorização, audição prévia ou efeito suspensivo do eventual recurso aos tribunais quando há indícios de evasão. Caliço diz, e bem, que sistemas idênticos existem em toda a Europa, que o acesso às contas por parte do fisco precisa de ser mais expedito e que «não vamos a lado nenhum se pensarmos sempre que vai haver abusos». E sustenta que a garantia de que não serão espiolhadas as contas de qualquer cidadão deriva da criação do Conselho de Administração das Contribuições e Impostos (CACI).

E é esta a terceira e mais decisiva questão. Na prática, o CACI é o sustentáculo de toda a estratégia de combate à fraude e evasão fiscal definida pelo ministro Bagão Félix. Será este órgão que, através de dois dos seis membros que o compõem, dará autorização para avaliar por métodos indirectos, inverter o ónus da prova ou aceder à conta bancária. Será esse órgão que vai substituir as direcções-gerais dos impostos, alfândegas e informática, bem como a cobrança e fiscalização. Mas os seis membros serão escolhidos em função de quê? Bom, Orlando Caliço diz-nos que os eleitos serão «pessoas idóneas, sérias, independentes e acima de qualquer suspeita». E por quem serão indicados? De novo o secretário de Estado: «A escolha será feita pelo ministro das Finanças e pelo primeiro-ministro até ao final do ano».

Pois em verdade lhe digo, sr. secretário de Estado, que não me agrada, não me agrada mesmo nada, que todo o poder de combate à fraude e evasão fiscal fique nas mãos de seis pessoas que serão escolhidas pelo ministro das Finanças e pelo primeiro-ministro e não, por exemplo, pela Assembleia da República. E se bastam dois dos membros do CACI para mandar investigar um contribuinte, quebrar o sigilo bancário ou exigir que ele prove que não ganhou muito mais do que declarou, eu temo, temo mesmo muito, que este órgão seja utilizado politicamente para perseguir e incomodar fiscalmente quem ouse criticar este Governo.

Como Orlando Caliço bem sabe, o bom senso de que ele dá mostras está muito longe de ser extensível a todo o Governo. Por isso, eu prefiro que seja o Parlamento a nomear os membros da CACI, com a aprovação de dois terços dos deputados. Há coisas com que não se brinca. E não se pode deixar aberta a porta à tentação de utilizar o fisco contra os que não apreciam este Governo.

Nicolau Santos

25 Outubro 2004

in Expresso On-line

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