O filme de Gibson
Pobres dos que encontram transcendência numa representação que explora o que há (e não há!) de mais grotesco no novo testamento.
Duas horas a ver saltar pedaços de carne e a ouvir estalar ossos numa tentativa deliberada de ir onde ninguém terá ido num filme do género.
Alguns escassos minutos de mensagem, demasiado escassos para que se entenda a violência, o exemplo. Demasiado escassos para equilibrarem psicologicamente quem assiste, para enquadrar a diabolização militante dos judeus – demasiado militante e demasiado crua para que não se leia nela uma generalização propagandística, tenho que admitir.
A paixão sem a exaltação da ressurreição, sem o exemplo de vida, onde o propósito é absolutamente secundário e surge truncado; a paixão não passando de um pedaço de história feito A História, uma história que conta exclusivamente a barbárie do homem sobre ele próprio, é, e sempre foi, um péssimo manifesto, muito longe de ser digna de quem se diz religioso, muito pouco inspiradora do amor e da paz e dos bons feitos em nome de Deus, de qualquer Deus. Um Deus que de bom grado rejeito e combato. Uma história assim truncada apresenta-se demasiado próxima da bestialidade que visa redimir, arrisca-se mesmo a servir a descrença por surgir absolutamente repugnável a quem procurasse a conversão. É por isso muito difícil compreender uma viagem transcendente patrocinada por este filme e é ainda mais difícil ouvir e compreender quem no seio da igreja católica o recomende, apresentando-o como A História que há para contar, como o fim, o caminho que anseiam ver progredir pelas paróquias.
Regressar às trevas num mundo perfeitamente ciente do que é o terror. Chafurdar brutalmente, sabe-se lá com que consequências e intentos, no que de mais sensível ainda tem a história e a existência humana… Bravo!
Distraidamente, entre muitos dos que viram o filme comigo, comentavam-se os esgares de Monica Bellucci, o quão jeitoso era o actor que fazia de Cristo, a hilariante cena de virar duas vezes Cristo na cruz já depois de devidamente crucificado tal qual vem escrito nas escrituras de Hollywood. Nesta última cena muito concreta, os Monthy Pyton não teriam feito melhor.