Leio no Diário Digital que o “Governo quer multar quem não separar lixo“.
Ao longo da notícia cita-se o secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, numa entrevista ao DN com afirmações como esta: «quem tem um ecoponto ao pé de casa tem obrigação de lá pôr embalagens separadas» e esta «Queremos partilhar a responsabilidade da reciclagem, uma obrigação apenas cumprida pelas entidades públicas. Queremos que as metas gerais do País sejam cumpridas devido a um esforço de todos e não só de alguns».
Desenganem-se os leitores que por aqui passem esperando um aplauso. Os mais distraídos até poderão confundir esta palavras com as preocupações que já andaram pelo Adufe. Alguns lembrar-se-ão da polémica aqui patrocinada (entre Henrique Agostinho da SPV e João Miguel Vaz) sobre este tema.
Lembrar-se-ão também que boa parte da discussão passou por debater a eficácia dos modelos de reciclagem. Qual a forma mais expedita de aumentar os níveis de reciclagem no país? Como internalizar os custos da reciclagem no processo produtivo/ciclo económico, como estimular a selecção e qual o método mais eficaz de recolha? O que podemos aprender com os exemplos dos outros? Quais as barreiras culturais endémicas e como ultrapassá-las?
Dessa longa (mas muito incompleta) discussão ficaram várias pistas e algumas certezas, principalmente do que não fazer. Se bem me lembro não passou pela cabeça de ninguém multar o consumidor perante o acto de reciclar ou não reciclar. Fundamentalmente procurou-se algum bom senso, identificaram-se algumas dúvidas e diferentes rumos. Qualquer deles sempre sublinhando que a solução deveria envolver o consumidor e nunca hostilizá-lo.
Gostaria de perguntar ao senhor secretário de estado sobre os exemplos similares que encontra “lá fora”, perguntando-lhe também dos seus resultados.
Bem sei que não temos que nos cingir a copiar o que os outros fazem, temos compromisso apenas e só com os objectivos que traçamos.
E o objectivo é aumentar a reciclagem logo, multe-se o cidadão! Esta confesso que bate inúmeros records entre os fenómenos a que venho assistindo desde que estou atento à política.
Multar como?
Vasculhando o saco do lixo?
E de quem é o saco do lixo?
Multa-se o condomínio? O bairro inteiro?
Vamos multar quem colocar o lixo no caixote sem assinar o saco?
Abre-se um inquérito para averiguar quem não pôs a lata de sardinhas no ecoponto?
Vamos pôr um polícia à paisana (talvez criar uma nova força policial?!) dentro do caixote para nos apanhar em flagrante?
Lembro-vos que este que vos fala todos os dias tem de andar com os… olhos no chão para não engraxar os sapatos na merda dos cães de estimação dos seus concidadãos. Deixar o cãozinho cagar na via pública é como sabemos punível com multa ou coima. Basta um agente da autoridade testemunhar a coisa. Parece-me imensamente mais fácil punir um emporcalhador das ruas – a merda é altamente reciclavel e amiga do ambiente se recolhida e processada racionalmente pode até contribuir para a produção de energia, vejam bem- e, contudo, nunca vi ninguem ser multado por emporcalhar a rua e, pior, não sinto qualquer mudança na densidade de “prendinhas” espalhadas pelos passeios desta linda capital europeia.
Deixando um dos meus temas de eleição lisboetas, um atentico “fetiche” que felizmente não cheira (aqui), voltemos às multas e à reciclagem.
A estupidez que adivinho é tanta – talvez uma excelente forma de minar qualquer esforço de consciencialização e de participação voluntária dos cidadãos na linha do que a SPV tem vindo a fazer – que só me apetecia que estas letras aplicassem um bom par de estalos à alma perdida que teve tão brilhante ideia. Um par de estalos redentor, construtivo, bem entendido. A bem da nação, da nossa sanidade, do equilíbrio das contas públicas, do equilíbrio ecológico e da paz entre os homens.
Terei um imenso prazer se me vir obrigado a pedir desculpas públicas do que aqui escrevi, perante a constatação de algum surpreendente mal entendido. Aqui estou atento, esperando sentado.