João Miguel Vaz regressa “ao ataque” interpelando Henrique Agostinho e aprofundando um pouco mais os seus argumentos.
O texto de hoje intitula-se “Incineração, estudos, a Quercus e as eternas cinzas das centrais.”
«Incineração, estudos, a Quercus e as eternas cinzas das centrais
Viva !
Há mais de 15 anos que me debato com a questão da incineração. Li estudos, trabalhei o assunto na Universidade em termos científicos, em público e privado discuti várias vezes sobre a incineração e a abrangente problemática dos resíduos.
O Tribunal Europeu há umas semanas atrás estabeleceu um acórdão sobre o conceito de valorização de resíduos. Este vem de encontro às pretensões com mais de 20 anos de grupos ambientalistas, incluindo a Quercus. No essencial diz o acórdão que incinerar resíduos não é valorizá-los, isso seria transformá-los em produtos com valor útil. O Henrique Agostinho desvaloriza o acórdão, pasme-se, invocando a não passagem do mesmo à legislação nacional. Quando não estamos de acordo com o Tribunal Europeu, ignoramos as suas decisões !
A propósito, lamento que o Henrique Agostinho venha menorizar uma organização que desde sempre lutou pela reciclagem, recolha selectiva, e que é uma aliada natural da SPV no essencial da questão. A Quercus merece a letra maiúscula, tal como o ACP (Automóvel Clube de Portugal), a FPF, o Benfica, o FC Porto, a Cruz Vermelha…etc. Mesmo que as instituições não nos sejam caras merecem respeito. Henrique Agostinho segue uma estranha política de confronto com agentes que procuram o bem da comunidade usando princípios de bom senso. Já lhe disse, e sou obrigado a repetir, fundamentalistas são os da ETA, os Ossamas, o rei Saudita, os Le Pen, os estalinistas, os KKK…etc, e quem procura dogmaticamente calar os outros. Penso mesmo que este tipo de epítetos só servem para envenenar discussões sérias. Fundamentalismo seria dizer não pelo não, sem apresentar um plano de resolução alternativo.
Respondendo às suas perguntas uma a uma:
– A incineração nunca será feita com material da recolha selectiva! Quem é que disse que as embalagens vão dos ecopontos para a lareira? Se é tão caro recolher em ecopontos faz algum sentido mandar a recolha para a lareira? Haverá por ventura falta de coisas (lixo indiferenciado) para mandar para a lareira? Essa acusação (que também foi feita pela quercus) é completamente nonsense.
O próprio Henrique Agostinho já aqui afirmou que é caro recolher e reciclar. Gostava de saber quais os custos/receitas de enviar o material recolhido para a reciclagem e para as incineradoras. Pode o Henrique Agostinho enviar-nos tais números ? Não nos podemos esquecer que o material recolhido selectivamente tem um poder energético muito superior aos resíduos indiferenciados. Estes estão altamente contaminados pela matéria orgânica (cerca de 30% ) e são indesejados pelas incineradoras. Logo, a dúvida é legítima, será que a SPV não se desacredita ao participar na incineração ? Eu penso que sim.
– Incineração – O que será pior? Queimar petróleo directamente numa central térmica ou fazer plástico e depois queimá-lo? O plástico é menos de 2% de todo o petróleo que se consome, importa se é queimado ou não? “…”O que será pior? Fazer aterros ou queimar o que de outra forma também seria queimado? É que o consumo de energia está lá. A incineração de RSU afigura-se-me como um mal necessário para o qual não é necessário mais investimento, mas o que sei eu do grande plano do lixo? Eu ainda ando à caça de como fazer as pessoas separar o lixo!
Pior do que os aterros é a incineração. Num estudo da Comissão Europeia afirma-se que os aterros não são o pior dos males – “a cost-benefit study conducted for the European Commission in 1997 concluded that even land filling was better and more energy efficient than incineration, for managing household waste.” (http://europa.eu.int/comm/environment/wasteinc/ ).
Admito que haja outros estudos que advoguem a incineração em detrimento dos aterros, baseados em na incerteza das consequências da queima de resíduos, ou seja na dúvida. Comparar a queima de petróleo com a incineração de resíduos domésticos é um erro grave, de palmatória. Nem os lobbys da incineração se atrevem a isso. É muito pior queimar plásticos (substâncias complexas feitas através da mistura de aditivos vários ao petróleo) do que queimar a matéria prima, o petróleo. As emissões da queima de plásticos são muito mais imprevisíveis, e mais poluentes (consultar literatura específica), advindo daí substâncias altamente tóxicas cujas consequências na cadeia alimentar e na saúde humana ainda não estão bem determinadas. Porque será que ninguém quer viver junto de uma Central Incineradora ?
Mais, a queima de plásticos é por si só a desvalorização de um material complexo. Queimar resíduos é essencialmente optar pela solução mais cómoda e também por isso a mais perversa nos resultados. Senão vejamos:
* as somas avultadas de dinheiro investido na incineração deveriam ser investidas na redução e reutilização das embalagens
* a incineração perpetua os aterros, ou queimarem-se 3 toneladas de resíduos provocam-se 1 tonelada de cinzas. Estas são perigosas, tóxicas contendo dioxinas e metais pesados, e têm que ser depositadas num aterro especial
* uma incineradora emprega pouco mais de uma centena de trabalhadores, localizados centralmente. A recolha selectiva e reciclagem empregam muito mais gente, localmente, incentivando o aparecimento de uma série de indústrias de baixo impacte ambiental e que usam tecnologias simples. Os lucros da reciclagem ficam nas comunidades onde se encontram as empresas incentivando o desenvolvimento local.
* a reciclagem poupa mais energia do que a incineração pode gerar através da queima de resíduos
* incinerar serve a lógica do desperdício, não há problema em produzir resíduos pois estes são “valorizados energeticamente”. As “cinzas tóxicas” são o nosso legado aos nossos filhos e netos ! – fica muito mais caro tratar do que prevenir.
– Incentivo à separação – Aceitam-se sugestões para que outro motivo haveria para as pessoas fazerem a separação que não fosse o bem comum!
Um dos pontos fortes da Sociedade Alemã “Grüne Punkt” foi a drástica redução das quantidades de lixo, em alguns Estados (por exemplo, Baden Wüttenberg) quase um 1/3 a menos. Isto provocou uma crise na indústria da incineração que se vê obrigada a importar resíduos, ou a comprar resíduos de alto valor energético, para rentabilizar os seus fornos. Ficaríamos muito satisfeitos se a introdução da SPV obtivesse os mesmos resultados. Seria óptimo que o Henrique Agostinho em vez de se preocupar com a Quercus se dedicasse a aprender como é que os outros conseguiram reduzir as quantidades de resíduos indiferenciados, ou como é que se recolhe selectivamente mais resíduos. Não somos nós que recebemos um salário para dar sugestões de carácter empírico.
Preocupa-me que um pessoa com responsabilidades, como é o Henrique Agostinho na SPV, venha mostrar-se mal preparado “o que sei eu do grande plano do lixo?” – para uma tarefa que exige estudos científicos e não puro amadorismo. Há uma vasta literatura publicada sobre o assunto, com exemplos vindos deste e do outro lado do Oceano.
Saudações Ambientais,
João Vaz »