Depois da sugestão de leitura ali de baixo, roubo descaradamente um texto ao Bisturi.
Quando era pequeno explicaram-me porque é que o Réu tinha deixado de ser réu e passado a Arguido. Disseram-me que com o uso, réu adquirira uma carga negativa que subliminarmente prejudicava o estatuto que o indivíduo deveria ter, a condição de “inocente até prova em contrário”, pelo menos aos olhos do povo… Ouvida a história a pergunta que fiz de seguida (era tão esperto quando era puto) foi no sentido de saber quando é que iam substituir a palavra arguido, uma inevitabilidade mais que evidente.
Esta desistência em lutar pelo significado não é um caso isolado. Temos cada vez mais significantes que vão sendo escondidos debaixo do tapete, substituidos por outras palavras “novinhas em folha”. Em algumas áreas a uma velocidade tão grande que já alguns distraídos encerraram o ciclo e recuperaram palavras proscritas do passado o que, convenhamos, até dá algum gozo. Só mais um exemplo que me ocorreu: na ONU deixou de se gostar da palavra sexo, já não há sexo masculino e sexo feminino, temos o género, uma palavra muito mais higiénica como é bom de ver… O poder de mudar os nomes às coisas deve dar uma grande pica a muita gente. Chefes de Estado inclusive.
Fiquem-se com as palavras do Bisturi que nos alerta para uma possível conclusão que extrai deste movimento frenético “anti-traumático” e pseudo-consciencioso.

Linguística
A linguagem tornou-se hoje um instrumento de poder na sociedade. Todas as palavras concernando o trabalho simples ou manual, e das pessoas que os executam, foram substituídas por definições retorcidas e fluídas.
Exemplificando, uma secretária transformou-se numa “assistente administrativa”, um maqueiro num “auxiliar de acção médica”, uma telefonista numa “assistente de recepção”. Também fora do âmbito profissional, não se altera o figurino. Então vejamos: o cego passou a “invisual”, o preto a “pessoa de cor”, o cigano a “nómada”, o pobre a “desfavorecido”, os bairros da lata a “bairros sensíveis”, o vagabundo a “sem-abrigo”.

Este exercício de estilo esconde na realidade um profundo desprezo em relação a estas pessoas, trata-se de uma linguagem eufemística que se destina a esquecer o que realmente significam as palavras.” in O Bisturi

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