O discurso e rumo político quase hegemónico em termos de exposição pública, patrocinado pelo atual governo local e externo que nos rege, tem alimentado um espírito fatalista em que somos profissionais e tem contribuído para impor níveis de ansiedade e um quase “monolitismo do desespero” em qualquer esforço de antecipação de uma alternativa do futuro.

Sem cuidar de julgar com particular detalhe a bondade das premissas creio serem estas algumas notas fundamentais da conjuntura política que temos de encarar para perceber a história recente, os bloqueios, os desafios e os caminhos do futuro do arranjo político e da governação em Portugal.

O PS: 

 

1)      O governo anterior cometeu excessos e falhou em momentos críticos. Em particular algumas opções tomadas após o dealbar da crise internacional, reveladoras de uma fraca capacidade de antecipação da dimensão do problema que se adivinhava. Destaca-se a falha muito expressiva na execução orçamental em 2010 aliada à imagem de revisões sucessivas de projeção da realidade tão convictamente negada em curtos espaços de tempo que se sucederam com a rápida degradação das condições de financiamento externo nos últimos anos da governação.
No final, ficou uma pesada herança política para gerir que se consubstanciou numa igualmente pesada derrota eleitoral e na necessidade de um exercício onde a recredibilização do PS enquanto alternativa política de governo que se adivinhava, à altura das últimas eleições, de muito difícil e moroso alcance;

2)      É um clássico em todos os partidos que foram governo e que tiveram condições para fazer obra: o dia seguinte pode ser muito complicado. No caso do PS não foi diferente. Com a saída de uma figura de proa carismática, vencedor da primeira maioria absoluta à esquerda, extremamente competente no combate político mediático e que levou a um patamar diferente do habitual no PS a dimensão do culto da personalidade, o anticlímax de uma das mais pesadas derrotas eleitorais da história do PS era inevitável. O recém-empossado líder cedo teve de enfrentar oposição interna e pública centrada no ataque à forma (por inevitável comparação com o líder anterior), na exigência da defesa da herança passada (que não foi ainda verdadeiramente escrutinada internamente) e na crítica aos procedimentos de gestão da imagem pública do partido (errância e fragilidade oratória dos porta-vozes) e da organização interna, amiúde promotores de um ambiente de guerrilha que tinha no grupo parlamentar um dos focos e no novo poder das estruturas regionais e nacionais do partido outro. Como disse, nada de verdadeiramente novo na história democrática do país. Nova, de facto, só a gravidade da conjuntura envolvente;

3)      Com o entendimento de Coimbra, a energia vital da atual direção, até ali acossada e reativa – nem sempre da forma mais feliz – pode ser canalizada para a ação política mais orientada para a construção de uma alternativa para o país. A perspetiva de uma união de competências (um recurso sempre escasso em qualquer organização), patrocinada por uma melhor clarificação da interpretação do passado e das propostas para o futuro permanecem o principal e decisivo desafio para a definitiva credibilização do PS enquanto alternativa política.
Um trabalho que parece estar em curso ainda que claramente necessitado de uma salto qualitativo e de consolidação. Uma tarefa que, reconheça-se, quer pelas circunstâncias habituais do ciclo político, quer pelas circunstâncias muito peculiares do enquadramento económico nacional e da desastrosa governação em curso ganha contornos de dificuldade e urgência inusitados.

A governação:

4)      Diabolizar o governo anterior e o despesismo crónico do PS, imputando-lhe responsabilidades que vão bem para além do seu papel histórico, aproveitando para capitalizar a forte descredibilização que existia em torno do último governo do PS – recorde-se que o anterior Primeiro-Ministro era amiúde retratado como Pinóquio, à esquerda e à direita – foram e são um dos baluartes do condicionamento político ao PS alimentado pela atual maioria;

5)      O discurso da maioria tem evoluído em clarificação no sentido da uma segunda diabolização: a do Estado, num espírito de missão onde se afirmou distintivamente como querendo “ir além da troika” – a política de austeridade do “custe o que custar”. O único objetivo da governação digno desse nome tem sido o de reduzir acriticamente e depressa , testando e ultrapassando os limites da lei fundamental, os recursos sobre os quais o Estado tem algum tipo de intervenção;

6)      A realidade económica, volvidos cerca de 4/5 anos de progressiva e continuada austeridade oferece muito poucos sinais de evolução positiva e nenhum que garanta comprovada sustentabilidade no futuro. O fracasso é total, estando a economia nacional em progressiva desagregação que ocorre em simultâneo com uma diminuição da identificação do eleitorado com a constelação político-partidária existente.

7)      O contexto europeu degradou-se igualmente ao longo dos últimos anos, tornando-se cada vez mais visível a estrita defesa dos interesses nacionais de curtíssimo prazo entre os parceiros europeus e uma total incapacidade de reação e acomodação de recomendações avisadas de atores políticos e económicos internos e externos à União Europeia. Tudo o que de fundamental que tem sido identificado para garantir a integridade e futuro do projeto europeu e, em particular da zona euro, tem sido ignorando ou, quando muito, aceite como desígnio a implementar em futuro incerto e distante, de forma totalmente inconsequente ou mesmo contraproducente para o momento atual.

8)      A impreparação técnica e a falta de experiência política de vários governantes tem servido a missão fundamental de esmagamento do Estado (por reduzir a capacidade de oposição crítica às decisões centralizadas pelas Finanças) e tem potenciado os danos colaterais da redução de despesa ao não permitir antecipar consequências mais danosas para o próprio objetivo de redução de custos. Nesta medida, a falta de qualidade do governo tem amplificado largamente os efeitos negativos dos constrangimentos orçamentais.

No dia em que o PS apresenta a sua censura ao atual governo é inevitável pensar no amanhã. Que política seguir? O que se pode fazer de diferente que seja consequente e garantido? Que forma de percorrer um caminho que nos restabeleça a esperança?

Tentarei ao longo dos próximos tempos ir sublinhando e pondo à prova algumas hipóteses de trabalho e de opção política que podem fazer a diferença.

A quem compete tal demanda? Que tal perguntar ao contrário: a quem não compete pensar e encontrar uma melhor forma de gerir o país?

Bem hajam.

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