Passado o primeiro choque sobre as surpresas prováveis das presidenciais e feita a devida crítica sobre as fortíssimas limitações dos actuais partidos de poder, demonstradas pelas escolhas em presença (crítica que não se encerra aqui), convém ir pensando no resto do cenário, no filme inteiro. Para isso recomendo hoje o editorial de Martim Avillez Figueiredo no Diário Económico (texto disponível aqui).
Para todos os efeitos acho saudável termos um governo do PS com quatro anos de maioria absoluta, completos. Uma coisa é acabar o estado de graça e ir fazendo marcação cerrada aos deslizes do governo, outra é pedir mudanças governativas em cada meio ano. Se juntarmos este vício à ineficácia dos partidos enquanto geradores de alternativas estruturadas percebemos porque é que tivemos vários governos que se mostraram mal preparados para encarar a legislatura. Por agora lá vai recorrendo (o actual governo) ao melhor do preparar para fazer… fazendo. Felizmente quase todos os dias vão chegando algumas boas novas que amenizam os ácidos no estômogo sobre outras panfletárias, medidas que geram um mínimo de expectativas estimulantes como a digitalização de processos na justiça, o reafirmar da implementação do cartão de indentificação único (uma bomba anti-burocracia, a ser implementado), o acerto nos mecanismos de regulação das relações laborais, ou ainda a muito bem divulgada e promovida recuperação de prestações sociais.
Em suma, quando olharmos para as presidenciais temos de olhar também para que governação queremos e, ainda que qualquer um dos candidatos (do PS e do PSD) não sejam os melhores para a actual conjuntura (pós-dissolução e de descrença partidária), conjugando um bocadinho da memória de quem é Cavaco em matérias de autoridade, autoritarismo e exercício do poder, e de quem é Soares, até mesmo pela sua perspectiva jacobina de ver a política de que se falou há dias pela blogoesfera, prefiro claramente pagar para ver, ou seja, votar em quem me dá mais garantias de permitir que se complete o ciclo do executivo sem perder o sentido crítico sobre a governação.
Dez anos de travessia no deserto de Cavaco Silva não me fizeram esquecer os seus péssimos exemplos em matérias que muito preso na democracia, precisamente algumas das características que mais valorizo na figura do Presidente da República.
Quanto à idade, confesso que me preocupa mais o retirar de um certo socialismo ingénuo da gaveta do Soares recente (que não tenho grandes dúvidas voltará a engavetar se reassumir funções de mais alta figura do Estado) do que o que dizem as tábuas de mortalidade ou de morbilidade. Era só o que nos faltava andar a fazer contas de cabeça para reduzir as probabilidades de morte em exercício tendo por base matemática teoria das probabilidades. Porque não avaliar também o nível de obstrução das coronárias? Já agora que tal divulgar uns testezinhos à apetência para os candidatos desenvolverem doenças degenerativas a curto prazo? A idade apresentada como argumento isolado é demasiado perigosa para a nossa (minha?) própria ideia de sociedade.
Sinceramente, acho que a falência dos partidos em apresentarem novos e bons portugueses para a representação do país deveria ocupar-nos mais as discussões do que os anos dos candidatos. Afinal, a absoluta aversão ao risco (provavelmente reforçada pela fraca auto-confiança nas suas capacidades) é neste momento uma das principais causas de estrangulamento do sistema político em Portugal.