Já alguma vez tentaram entrevistar alguém? Imaginem que estão num sÃtio onde não conhecem ninguém e ninguém vos conhece. Trazem numa pasta perguntas impressas que terão de fazer a pessoas determinadas: ao Sr. João Alves Pereira Rosado, à Sra. Zulmira Brito, ao Sr. António Silva⦠Enfim, a pessoas concretas que alguém escolheu como representativas por algum critério para expressarem a opinião do paÃs sobre, por exemplo, as preocupações ambientais.
Há poucos anos, um entrevistador do INE, deslocou-se a Avis para perguntar a residentes seleccionados cerca de uma dúzia de questões sobre ambiente. Levava os nomes, as idades e as moradas. Chegado à vila procurou os endereço, bateu às portas e pouco ou nada conseguiu fazer. Não aparecia ninguém. Andou nisto uma manhã. Quando pedia ajuda a algum dos escassos passantes ninguém conhecia o Sr. João Alves Pereira Rosado ou a Sra. Zulmira Brito⦠A situação tornava-se desesperante. Até que em mais umas das tentativas um velhote lá aconselhou o inquiridor a desistir do bater às porta e a abancar no café.
Assim fez. Entre tragar um refresco e descansar numa cadeira perguntou pelo Sr. João Rosadoâ¦
– O que é que o senhor lhe quer? Perguntou um companheiro de bebida sentado na mesa em frente.
O entrevistador explicou ao que ia, que era do INE de Ãvora e que queria fazer umas perguntas sobre o ambiente, que não senhor não era para vender nada, nem era preciso cuidar que o assunto não interessava à polÃcia.
– Então o Sr. João Rosado devo ser eu mas não percebo nada de ambiente, pode pôr aà no papel.
O nosso entrevistador encontrara o Ti João da Fisga , vizinho da Ti Brites (Zulmira Brito) e companheiro das cartas do Ti Tonho Tamanco (António Silva). Os nomes de guerra e as alcunhas não chegaram aos ficheiros centrais do INE⦠Faltava esclarecer o que era âisso do ambienteâ?. Mas por mais que repetisse as perguntas de português polido que vinham na papeleta não havia maneira do Ti João da Fisga dar ares de entendimento. E se entendia, continuava desconfiado, parecendo procurar uma razão escondida.
Já os dois se impacientavam quando chega o Ti Tonho que sendo coxo de alcunha se apresentou lesto e voluntarioso em mostrar-se prestável pois tinha um sobrinho no INE de Lisboa e queria ajudar. Mas⦠âIsso do ambiente é lá nas cidades, com os carros e os aviões, aqui é tudo pacato e sossegado⦠Não ouve os pardalitos?â?. Tudo assim andava, entre risadas e copos pagos, até que o entrevistador falou de água, de águas sujas nos rios. E tudo mudou, mudaram as expressões, o grão da voz, a postura nas cadeiras.âOs maganos das fábricas que nos matam o peixe e que nos engrossam a água no verão.â?
Volvidos dez minutos de conversa o café estava a abarrotar de gente disposta a responder ao senhor do INE, demandando ser ouvida, exigindo que se soubesse em Ãvora e em Lisboa o que pensavam do ambiente na sua terra. Das vinte entrevista previstas, cem se teriam feito sem dificuldade e, no fim, todos agraciaram o senhor do INE que se dignara apresentar-se na terra e lhe rogaram que falasse com as autoridades, que tivessem vergonha e lhes devolvessem o Alentejo onde nasceram.
Pelo que nos diz o Aviz, esta pequena estória inspirada numa outra história partilhada durante um belo repasto alentejano, está bem longe de ser pura ficção.
P.S.: Os nomes são ficcionados está bom de ver…