Há quanto tempo não sopras bolas de sabão?

Cada bola de sabão contém no seu interior um pedaço de ar, temporariamente separado de tudo o resto por uma fina membrana de líquido.

Com o ângulo certo a luz refrata e pinta a bola de mil cores.

Com a brisa certa ela pode voar bem alto tal como pode rebentar-te no nariz. E quando o faz, imagino uma explosão magnífica cujo som infelizmente os nossos ouvidos não conseguem captar.

Será que faz mesmo barulho a rotura daquele microcosmos? Pop?

A efemeridade das bolas de sabão, daquelas bolhas erráticas, tinha tanto de excitante quanto de triste. Apesar disso era otimista e acreditava sempre que era desta que iria criar a bola de sabão perfeita, que iria vencer todos os imponderáveis e impossíveis, não para existir para sempre, mas para fazer aquele percurso imaginado, que os outros achavam só existir no meu sonho.

E tu, o que tentavas fazer quando sopravas o aro com sabão a pingar?

Bolhas

Hoje volto a lembrar-me das bolas de sabão sempre que ouço falar em bolhas. Em especial da bolha política, da bolha mediática, da bolha das redes sociais, da bolha dos evangélicos, da bolha dos comentadores, da bolha dos fascistas, da bolha da elite, da bolha dos zangados, da bolha dos wokes, da bolha dos privilegiados, da bolha dos deploráveis, da bolha dos urbanos, da bolha dos do meu partido, da bolha dos do meu clube, da bolha dos outros.

Na realidade não ouço falar destas bolhas todas, só de algumas. Mas hoje ganhou nitidez esta perspetiva de que o problema de quem vive na bolha é também um problema de quem não se apercebe que construiu a sua própria bolha ou lha construiram, por divina providência do algoritmo. Aceite o algoritmo, terá publicidade mais personalizada.

As bolhas de quem faz política, de quem faz jornalismo, de quem anda no twitter, de quem vive na grande cidade, de quem hipervaloriza o que tem mero valor (como se ter mero valor não fosse bastante), de quem vive bem e é hipocrita com as causas que defende mas não as pratica, são bolhas comuns e identificadas.

Mas falta-nos falar das outras bolhas. Há bolas de sabão para todos. Os que se queixam de ser ignorados pelos que vivem na bolha, criaram as suas próprias bolhas e hoje, a grande diferença é que encontraram um aro de sabão a pingar que ousaram soprar. O catalizador que garante bons ventos para todos os que viajarem na sua bolha, sem olhar a limites e a obstáculos. Dentro da bolha nova tudo será atendido, nem que para isso se tenham de rebentar os bolhas dos outros.

Temos então uma guerra de bolhas. Também brinquei a isso quando era pequeno. A ver quem criava mais bolhas, mais depressa, para inundar o espaço do outro com o nosso exército alado. E tu?

Na essência somos todos iguals. Se temos um aro com uma membrana de sabão formada e temos um sopro de vida, sopramos, fazêmos bolhas.

Onde a diferença pode começar é mesmo onde nos imaginamos. Dentro da bolha, a viajar protegidos por aquele pedaço de atmosfera isolado, a ver o mundo de uma só cor, ou de fora, espantados com a miríade de bolhas de múltiplas cores a voar pelo Espaço, sem destino certo num mar de possibilidades?

Já estás farta de bolhas? Deixo-te entao com uma inquietação. Quando era mais novo, as bolhas eram efémeras, rapidamente se rompiam. E apesar de também ser rápido recriá-las, o encanto do eterno movimento era o da criação e destruição benigna.

Hoje as bolhas parecem ganhar couraça, já não refletem muitas cores quando tocadas pela luz. São monocromáticas e cada vez mais opacas. Nada entra, nada sai e duram e duram. Também não voam aleatoriamente, ao sabor das brisas, muito pelo contrário, segue m um rumo fixo, determinado, ameaçador, alheio aos ventos, ao que também voa, com propussão própria, como que ave de rapina.

Hoje, o fazedor de bolas de sabão está morto. Cansou-se de esperar que rebentasse a geração de bolas de sabão para a substituir por outra. Não morrem. Metamoforsearam-se em outra coisa. Promtem não se evaporar. Não se sabe exatamente o que de lá sairá quando eclodirem. Certo é que se acabaram os calendoscópios livres, únicos e irrepetíveis. Pelo menos para já.

As bolas-bolhas de hoje parecem indestrutíveis. Talvez reconhecermos que há uma mega bolha onde todos caibamos ajude. Ou talvez, a poder de um alfinete, a coisa vá. Mas não gosto de alfinetes. Acabamos sempre por nos magoar.

E tu que achas?

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