Mil cavalos de esperança à solta

Carísimo Rui, vem, senta-te, por instantes, pois quero contar-te uma pequena história. Vês este grande carro preto aqui por cima destes tantos caracteres? Já ouviste falar da “arrastadeira” da Citroen? Claro que não, quando nasceste, o que estava na moda, e tanto te terá entusiasmado, deveriam ser para aí os Citroen Ami, talvez já o GS, quiçá, estarias no final da era do ID. Pois bem, lança os teus olhos aqui para baixo, vês quem entra em cena? Um petiz loirinho, muito loirinho, lá na terra dele era o único, toda a gente se metia com os seus caracóis.

Vem, senta-te, agora, aqui, e fita-o bem de frente. Pois é. Andava ele em animado e despreocupado folguedo, com os seus colegas de infância altoalentejana, quando, um daqueles carros se abeira da pequenada e, eis, que uma senhora se encaminha para ele, dá-lhe alguns beijinhos e deixa nas mãos uma moeda de cinco tostões. Não, não intentes esborratar a cena, Rui, mas a mãe do petiz haveria de repetir-lhe esta história, como outras, pela vida inteira. A senhora, afinal, tinha ficado simplesmente  admirada por ver um puto loirinho com… as sobrancelhas pretas. Tão pretas como a cor do seu Citroen Arrastadeira.

Não, não te vás já embora. Sabes que mais, o puto deve ter interiorizado, de tal forma, na sua tenra memória aquele enorme carrão, numa terra onde só o Dr. Joaquim tinha uns Ford como aqueles das telenovelas brasileiras, sabes… que, até hoje, a Citroen tem sido a sua casa sobre rodas. Não é tudo, Rui, vem,  debruça-te, agora, um pouco mais, vês?! Reconheces?

Pois é, Rui, não são lindos? Sim, o puto que assim te fala, ainda não perdeu a esperança de acabar os seus dias ao volante de um 2CV, ou melhor, soltando as rédeas de mil cavalos à solta pelas planícies altoalentejanas ou, subindo, às suas actuais beiroas serranias.

É claro que é pouco, muito pouco, meu caro Rui, redutor, mesmo,diria, recorrer ao ter, à posse, para falar da esperança. Mas o que eu queria, mesmo, era que todos pudéssemos concretizar todos os sonhos sem atentar contra os sonhos dos outros todos. É aí, como sabemos, que o caldo se entorna. Fica para outra…história.

NOTA – E não é que me roubaram do meu velhinho citroen xsara o logotipo dianteiro que tanto me fascina por ser o que mais se aproxima das velhinhas setas iniciais da arrastadeira?Alguém tem por aí …um “salvado”?

antónio colaço