A pretexto da novidade de ontem (um novo jornal gratuito, chamado Meia Hora, que se auto-impõe a fasquia de vir a concorrer no nicho dos jornais de referência) o Pedro F. pergunta-me se um diário gratuito pode ser de referência.
A minha resposta curta: sim, é só querer.
A minha resposta longa:
Espero bem que sim pois, tendencialmente, tem-se caminhado para uma produção de jornais em que o preço de capa se apresenta apenas como uma fracção (decrescente, julgo eu) mesmo entre os ditos jornais de referência nacionais e internacionas.
Na prática duvido que seja desta. Com tão poucos profissionais na equipa (15) será difícil mas também é bem verdade que há por aí redacções onde a quantidade tem pouco a ver com a qualidade da produção. Aliás, tenho para mim que hoje não temos um jornal que mereça o título de jornal de referência; o nivelamento tem-se feito por baixo. Veja-se o exemplo do que pode sair num editorial do Diário de Notícias como aqui testemunhei hoje, ou a contaminação "alienígena" por corpos que deveriam ser estranhos a uma peça jornalística que vão pautando as notícias do Público, particularmente as relativas a política.
Uma coisa é certa, no actual contexto, é fácil marcar a diferença pela positiva, a concorrênca é paupérima e um back to basics pontuado com menos perguiça e uma boa dose de trabalho de equipa, coragem e astúcia podem produzir um bom jornal. Consigo conceber que o seja possível fazer o melhor jornal diário nacional que se lê em meia hora com uma equipa pequena. E se ignorarmos os artigos de opinião (que não sabemos que espaço terão no novel Meia Hora) e nos cingirmos aos cadernos principais dos diários, todos os jornais se lêem em cerca de meia hora. Se teremos um jornal de referência, já a conversa é outra. E naturalmente isto tudo é um execício de abstracção dado que não faço ideia daquilo que aí vem na prática.
Outra forma de fazer a pergunta: o New York Times ou o El Pais teriam de fechar as portas se amanhã passassem a gratuitos? Teriam de abdicar do que são como jornais?
Vejo essencialmente problemas operacionais solúveis com alguma imaginação – como continuar a distribuir em banca e a chegar ao público alvo fisicamente, em papel, por exemplo.
Concluindo: não é o preço ser igual ou diferente de zero que determinará a resposta positiva ou negativa à tua pergunta. O preço que pagarei é a publicidade que terei de engolir e, marginalmente, uma potencialmente menor independência editorial. Se o jornal for bom, farei algum esforço de chegar até ele. Aguardemos.