" Eu adoro, confesso, a forma como políticos, economistas e outros responsáveis manipulam mediaticamente as contas e os resultados nacionais.(…) Na sexta-feira, o INE divulgou as primeiras estimativas para o encerramento das contas nacionais, e a verificação, inegável, é que o PIB de 2005, quando comparado com o de 2004, baixou 0,8 por cento – de 1,1 para 0,3 –, e só não entrou em recessão pelo consumo verificado no quatro trimestre. Quanto a este facto não há duas leituras. (…) "
Luís Delgado, hoje no Diário de Notícias.
Além de recomendar que a malta do DN, a Helena Garrido, o Peres Metelo ou outro jornalista da secção de economia paguem um almoço ao Luís Delgado (para ele ver que há almoços grátis, por exemplo), ofereço humildemente esta outra borla:
Nota 1: os números comentados são taxas de variação anuais do PIB em volume (evolução real já descontando o efeito da variação dos preços). Em 2004, avaliado por esta taxa, o PIB cresceu 1,1%. Em 2005, o PIB continuou a crescer mas a um ritmo mais baixo do que o verificado no ano anterior. Entre 2004 e 2005, o PIB não baixou 0,8 por cento, nem sequer baixou 0,8 pontos percentuais (que são coisas muito diferentes). Entre 2004 e 2005 cresceu 0,3 por cento.
Nota 2: O que é a recessão técnica? Convencionou-se que a economia entra em recessão quando se verificam duas taxas de variação em cadeia negativas (duas variações trimestrais consecutivas negativas, ou seja, dois trimestres seguidos em que o PIB de final de trimestre, em volume, é inferior ao anterior).
Nota 3: "O PIB só não entrou em recessão pelo consumo verificado no quarto trimestre". Como é óbvio esta afirmação é uma simplificação errada do que se passou, pois o PIB depende de vários agregados económicos. Uma das curiosidades do 4º trimestre (analisado em cadeia – evolução face ao trimestre imediatamente anterior) terá sido a proximidade dos contributos dos diversos agregados para a evolução global do PIB: todos evoluíram marginalmente, uns ligeiramente para cima (consumo de residentes e consumo público), outros ligeiramente para baixo (investimento e exportações). É nas variações face a igual período do ano anterior (variações homólogas) que as oscilações se verificaram mais interessantes, sendo também particularmente interessante verificar se o perfil que se foi desenhando ao longo do ano se manterá (ver Nota 5).
Nota 4: Porque se analisa também a taxa de variação homóloga (aliás o INE até privilegia há anos este indicador)? Contrariamente ao que sucede com a taxa de variação em cadeia, a taxa de variação homóloga é "auto-imune" a eventuais variações sazonais da actividade económica. Admitindo que em certas épocas do ano há movimentos regulares (por hipótese há sempre quebra da produção no 3º trimestre/época de férias ou aumento do consumo no 4º trimestre/natal/fim de ano), ao comparar a evolução do PIB entre períodos homólogos o número obtido não surge "infectado" pelo efeito sazonal (como sucederá potencialmente se comparássemos com o trimestre anterior). A taxa de variação em cadeia depende mais intimamente da qualidade da “vacina” contra a sazonalidade que o economista/econometrista consiga arranjar (técnicas de decomposição temporal + eliminação da componente sazonal"). Em suma, uma taxa de variação homóloga tem um "sistema imunitário" mais resistente à partida. Por outro lado, a taxa de variação homóloga antecipa mais fielmente a evolução anual do PIB permitindo perspectivar melhor essa evolução, veja-se a este título o boneco que aqui publiquei há dias.
Nota 5: A evolução da taxa de variação em homóloga ao longo dos quatro trimestres de 2005 terá sido dos indicadores menos "deprimentes" apurados pois evoluiu de uns -0,1% no 1º trimestre, para os 0,4% no 2º e 3º, terminando o ano com um crescimento de 0,7%. A evolução foi inversa à do consumo de residentes que começou o ano com crescimentos de 1,8% e 1,9% nos 1º e 2º trimestres, passando para os 0,7% no 3º e fechando o ano nos 0,6%. Nos dois últimos trimestres de 2005, segundo os números disponíveis até ao momento, a evolução (positiva) das exportações foi o agregado que singularmente mais contribuiu para as taxas de variação homóloga do PIB. Será que esta tendência se vai manter e que a taxa de variação homóloga do PIB continuará a aumentar ao longo de 2006? Quanto a esta dúvida não há duas leituras: honestamente ainda ninguém sabe ao certo.