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Política Saúde

Wishful Thinking político

Já há mais de um nao que ando para pegar neste assunto. Hoje tive pretexto. 

Um dos problemas mais evidentes (e confrangedores) de saúde pública que enfrenta o nosso país é a saúde oral. Por mais voltas que se dê ao problema, há alguns factos históricos que estão intimamente relacionados com o mau estado de saúde das nossas bocas.

Tratar dos dentes sempre foi um luxo, nunca foi reconhecido e assumido como uma necessidade básica de cuidados de saúde e, como tal, nunca existiu oferta no seio do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Hoje o assunto esteve em debate no Parlamento

Uma larga fatia de portugueses continua sem ter acesso a cuidados de saúde oral – são efectivamente caros. Na conjuntura actual, o partido do governo afirma que alargar o âmbito do SNS à saúde oral seria dar um passo largo no sentido da falência do Serviço. Talvez seja assim, será seguramente assim se assumirmos um valente ceteris paribus quanto ao resto do SNS e enquanto não reconfigurarmos as prioridades ao nível das competências globais do Estado – cada vez a gastar mais no SNS perante uma medecina em evolução e perante uma população em  envelhecimento, mas a não abandonar nada de relevante no resto das suas funções habituais.

Assumido o dilema, convém sublinhar bem sublinhado que este é um custo global que nos envergonha enquanto país e é uma situação que nos perseguirá.

Desculpem que vos diga, mas convém sublinhar que é também assim que se paga o que corre mal na administração pública portuguesa. Enquanto este tipo de questões não puder ser encarada e resolvida teremos fortes motivações para não concedermos um milímetro àqueles que continuam a tomar como seu aquilo que é de todos. Se acham que exagero basta que saiam das grandes cidades (nem seria preciso) e olhem para a boca (também não é preciso) dos portugueses, talvez até dos vosso familiares que vivem na Santa Terrinha.

O mercado teve liberdade total para operar, mas o ajustamento para grandes fatias da população revelou-se insuficiente. Seria interessante contabilizar, por exemplo, que custos directos e indirectos para o país e para o próprio SNS terão sido justificados pela ausência de oferta para os portugueses menos abonados financeiramente. Qual o custo em dias de trabalho perdidos, anti-bióticos, internamentos, etc, associados a problemas de saúde potenciados por uma boca podre.

A racionalização de recursos, a optimização de processos de produção, o combate ao desperdício, às injustiças e à corrupção, a redução do âmbito de acção do Estado em muitas matérias, não deve reflectir-se de forma cega em todas as áreas. Há situações nas quais ainda precisamos de mais Estado (e sempre de melhor Estado). E é apenas a diferença de acção e de objectivos que distinguirá as opções políticas do futuro próximo.

A forma como conseguir o sol (em parte) da eira e a chuva (em parte) do nabal é o desafio que temos pela frente.

(continua)

5 replies on “Wishful Thinking político”

«O mercado teve liberdade total para operar.»

Não tenho a certeza que assim seja. As vagas para os cursos de medicina dentária são artificialmente baixas e basta falar com qualquer dentista e imediatamente sairá a oposição firme à entrada de dentistas de fora ou à abertura de novos cursos. Argumentam com a ‘qualidade’, habitualamente.

Parece-me que são as barreiras à entrada que estão a condicionar a oferta e a enriquecer os poucos que detém o ‘alvará’.

Tem inteira razão no que expôe. Há uns 3 anos acompanhei uma criança de 7 anos ao centro de saúde para uma sessão de higiene oral subsequente a uma acção escolar. Essa criança (de uma família de 6 crianças de risco que eu apoiava extensamente)teve direito a assistência. A irmã, de 13 anos e com um abcesso, por mais que eu pedisse, não teve direito a tal. Recorri a um dentista privado e paguei, claro.

Tem inteira razão no que expôe. Há uns 3 anos acompanhei uma criança de 7 anos ao centro de saúde para uma sessão de higiene oral subsequente a uma acção escolar. Essa criança (de uma família de 6 crianças de risco que eu apoiava extensamente)teve direito a assistência. A irmã, de 13 anos e com um abcesso, por mais que eu pedisse, não teve direito a tal. Recorri a um dentista privado e paguei, claro.

Jcd,
aqui há uns anos talvez concordasse contigo, de há uns anos para cá a percepção que tenho é que os brasileiros estão mesmo aí e em força com boas ofertas e a condicionar positivamente o mercado (do lado do cliente). Pelo menos em Lisboa é assim. Só que, para quem não tem (ou consegue ter) um bom seguro de saúde…

“Seria interessante contabilizar, por exemplo, que custos directos e indirectos para o país e para o próprio SNS terão sido justificados pela ausência de oferta para os portugueses menos abonados financeiramente. Qual o custo em dias de trabalho perdidos, anti-bióticos, internamentos, etc, associados a problemas de saúde potenciados por uma boca podre.”

Exactamente. Não é só olhar ao que se gasta de um lado; é olhar ao que se poupa do outro.

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