Tenho uma amiga que deu e dá tudo para que ninguém, absolutamente ninguém em torno dela se sinta infeliz. Tem uma pesada cruz que carregar, tudo porque tem o azar de aqueles de que ama terem vontades diametralmente opostas e bem vincadas em relação a aspectos muito concretos da vida quotidiana, religiosa e política. Esta minha amiga acreditou que se se anular em termos de vontades, o mundo em que vive entrará nos eixos. Deixará que os manipuladores (os tais opostos com quem partilha a vida) levem adiante a sua vontade, satisfazendo-os consoante está num dado momento mais próxima de uns ou de outros. Fazia-o por amor, um amor profundo que distribuiam por aqueles de quem gostava.
Sempre, mas sempre que assim procedeu o desfecho de cada situação revelou-se trágico. Mais não conseguiu do que adiar o choque, ludibriando sem intenção as várias partes que se foram convencendo de estarem a conseguir manipula-la na perfeição face aos objectivos da outra parte. Sempre, mas mesmo sempre, as partes acabaram por perceber que a minha amiga afinal satisfazia o melhor que podia uns e outros. Nas suas cabeças, ela atraiçoara-os e as partes entraram sempre, mas mesmo sempre em hostilidade e a minha amiga somou momentos infelizes uns atrás dos outros ouvindo coisas terríveis e injustificadas, recebendo culpabilizações em catadupa.
Até que um dia decidiu que assim não podia ser, que tinha de escolher. Mas não escolheu uma parte face à outra, escolheu apenas em que assuntos deveria apoiar uma parte e em que assuntos deveria apoiar a outra. Decidiu até que em alguns assuntos não tinha nada de apoiar ninguém. Deixou de não existir, definiu-se, percebeu que ter todo mundo feliz, sempre feliz em sua volta era impossível, aliás, seria caminho certo para ninguém ser feliz em momento nenhum. O mundo é como é, e ela não era almofada suficente para o acomodar. Ignorar as diferenças ou sonhar com a mudança nas partes não passava disso mesmo, de um sonho.
Hoje bem mais feliz, a minha amiga, aprendeu a conviver com as pontuais desilusões que vai causando nos manipuladores, mas até estes aprenderam a lição e deixaram de dramatizar as situações. As chatagens emocionais, as ameaças deixaram de ter um propósito por se terem passado a revelar absolutamente ineficazes. As partes aprenderam a conviver entre si, sem milagre mudaram!
É o caminho da nossa amiga que nós, enquanto Ocidentais temos de percorrer . Apenas e só isso. Sem garantias de paz, sem certezas de guerra, mas com este único caminho em direcção à defesa do nosso amor próprio, aceitando as nossas próprias contradições. Se abdicarmos disso, já sabemos o que nos espera.
Agora digam-me lá onde é que está a afirmação de uma superioridade cultural e qual das opções de vida por que seguiu a minha amiga (a primeira ou a final) é que é quixo tesca*.
* Note-se que sou fã do cavaleiro da triste figura.