Do Editorial de ontem (Tropa Fandanga) de Sérgio Figueiredo sobre as Forças Armadas (FA): “Nem interessa agora lembrar que a nossa tropa é a única dos países civilizados que consome quase dois terços do Orçamento da Defesa em salários e pensões.”
Talvez a reacção do editorialista seja inspirada por alguma declaração menos pensada de algum “sindicato” das FA, não sei, mas tirando essa eventual atenuante apetece-me dizer algo… – declaração de interesses: tenho familiares nas ditas.
Se eu retirar qualquer capacidade operacional às FA, em termos de instrumentos de guerra (pode até ser apenas no combustível), e ficar com as FA nos quartéis para poupar o orçamento, em que é que as FA gastam dinheiro? Pelas minhas contas, em salários … Por outro lado, quantos dos países civilizados são efectivamente comparáveis com Portugal, país que, recorde-se, esteve em guerra até 1974 com o consequente sobredimensionamento das FA, na altura, e das pensões das ex-FA, agora? O custos da guerra ainda não acabaram, pois não.
Julgo não estar muito longe da verdade com este cenário. Suponho até que a situação não seja mais desequilibrada porque as operações internacionais onde estamos envolvidos (invenção de António Guterres mantida, e bem, desde então, remember?) têm exigido algum investimento em fornecimentos e serviços externos como o aluguer de viaturas ou de armamento (já para não falar do bacalhau para as consoadas)!
Seriamente, convinha saber se o desequilíbrio apontado por Sérgio Figueiredo se deve ao excesso de salários e de direitos face ao que se passa nas FA de outros países (tinha mesmo muita piada esta comparação!), ou antes a esta aberração que têm sido as Forças Desarmadas que temos tipo perante o patrocínio desleixado do Estado.
Posso estar enganado mas parece-me haver gente demais que têm na ideia uma “tropa” ainda sobre-dimensionada, ainda colonialista, a viver num outro mundo, o dos favorecidos (a dualidade de que fala Sérgio Figueiredo). Nesse sentido, a história dos submarinos enquanto gritante desperdício de recursos escassos, serviu de arma de arremesso, pretexto adicional para cegar quem deveria ver mais além. Não vi nenhum movimento generalizado de entusiasmo com os submarinos entre os militares, antes pelo contrário… Pareceu-me que a sensação de se tratar de dinheiro precioso mal gasto, foi tão popular entre os militares quanto entre a populaça, mas pode ter sido só impressão minha…
As FA não precisam de quem se sacrifique por elas na praça pública, defendendo uma dama impopular. As FA são, até decisão em contrário, parte do Estado e devem ser estruturadas e pensadas como tal. Devem existir, ou não, perante uma decisão nacional, tomada por todos, com a máxima urgência, assumida em permanência. E merecem a mesma dignidade que se exige a qualquer serviço público.
Em termos práticos algumas sugestões:
– (re)defina-se a missão e os objectivos para as FA nesta situação de emergência nacional/orçamental, garantindo os meios para a operacionalidade de uma percentagem mínima(máxima!) do quadro de pessoal profissionalizado;
– Questione-se a razoabilidade da relação quantitativa entre os diversos níveis hierárquicos existentes nas FA e imponham-se restrições até que a pirâmide hierárquica seja clara e não semi-invertida permitindo uma autêntica tropa de generais;
– Conclua-se, com urgência, a instalação do sistema de contabilidade público em todas as unidades, bem como, o plano de concentração/encerramento de unidades;
– Aproxime-se a segurança social das FA ao regime geral da função pública, particularmente na assistência na doença;
– Aceitem-se, reconheçam-se e valorizem-se as especificidades da função da FA e assuma-se o regime de reserva (passagem a reserva possível a partir dos 55 anos) e a idade da reforma (possível a partir dos 60 anos) em vigor entre os militares como vantagem/atracção adicional para o ingresso na carreira militar. A menos que se queira uma absoluta originalidade mundial de ter artilheiros, pilotos, maquinistas a reformarem-se aos 65 anos!
– Avalie-se o sucesso do actual modelo em termos de capacidade de atracção de quadros competentes para a carreira profissional.
– Que se deixe de chamar tropa aos militares dos três ramos das Forças Armadas, há qualquer coisa de jocoso e preconceituoso que se dispensa, particularmente quando se vê “a tropa fandanga” num editorial de um jornal.
4 replies on “O que é a "tropa"? – Mais política alternativa”
Gostaria de lhe lembrar que as forças armadas -PSP e GNR – têm 25% de acréscimo ao tempo de serviço; isto significa que com 27 anos de serviço são-lhe contados 36, beneficio também atribuido aos portageiros. E se um sr general, coronel é velho para “trabalhar” até aos 65 anos então que dizer de todo o pessoal que desconta para a Seg.Social? Por exemplo, um operário da construção civil não tem de subir andaimes carregar baldes de cimento apanhar chuva e vento ou sol até aos 65 anos? E que dizer dos professores primários que com 52 anos e 30 de serviço levam a pensão por inteiro? E caso único o dos magistrados que com 10 anos de serviço alegarem incapacidade ficam com a pensão completa? E os deputados? Será que só certas profissões do Estado é que são muito mais desgastantes do que as do privado?
O regime da PSP não é exactamente o mesmo da GNR ou dos militares, mas adiante.
Nem todas as situações são iguais logo não podem, nem devem ter todas igual tratamento.
Se consigo imaginar um professor com mais de 60 anos a poder optar entre continuar a leccionar ou a ocupar-se de outras tarefas ligadas à sua profissão, já me custa imaginar um militar/polícia poder ter essa opção quando a sua função é “andar aos tiros”(ou estar pronto para tal) com a mesma idade. Se admitir que não há funções não operacionais para todos os militares / polícias mais entradotes, é inevitável imaginar uma maior flexibilidade na passagem a reforma. Sublinho que este meu comentário está cheio de simplificações.
Hoje em dia, pegando no seu paralelo, a verdade é que todas as profissões da função pública (e quadros especiais) têm tratamento distinto face aos privados e, por exemplo, aos servidores públicos com contrato individual de trabalho. Nestes tempos de crise orçamental (já que não foi antes!) é natural e desejável que todas essas situações sejam postas em causa para serem reavaliadas, apreciada a sua justiça. Mas dizer isto não significa que a melhor atitude seja a de passar um rolo compressor que as ponha todas em igualdade.
Pensando um pouquito noutros ofícios, mesmo no privado encontramos excepções como a que existe para atletas de alta competição. Deveraõ existir? Haverá outras que deveriam estar previstas?
Em suma, a regra deverá ser a de aplicar regimes iguais para situações comparáveis. E esse é o trabalho que está por fazer. E na função pública estamos de acordo em como não é sustentável manter as disparidades existentes face ao regime geral.
Eu deixei a minha opinião sobre um dos vários casos específicos que andam na berlinda e apenas para esse.
De facto caro Rui o regime da PSP não é exactamente o mesmo da GNR ou dos militares mas também não é assim tão diferente. Eu só pretendi indicar que a bonificação de 25% no tempo de serviço se aplica a todos eles. E eu até percebo que um policia com 65 anos não deva “andar aos tiros” mas há outros serviços nomeadamente nas secretarias onde ainda podem ser úteis. Além disso, penso que o coronel ou capitão ou general não faz parte desses operacionais de rua, pois não? E com 27 anos de serviço efectivo têm a pensão por inteiro (contado com a tal bonificação de 25%). Não me parece lá muito justo face aos outros empregados… aliás, parece-me uma afronta ao pessoal “menor” que puxa pelo fisico até tombar ou arrisca-se a ficar com x/40 avos da pensão
Quanto aos 25% de bonificação na contagem de tempo estamos de acordo, parece-me uma distinção abusiva. Para os efeitos da discriminação positiva de que falei (atendendo ao carácter singular das Forças Armadas) acho que os subsídios de risco já existentes, a manutenção da idade da reforma nos 60 anos (em vez dos 65 do regime geral) são suficientes. Quanto ao trabalho de secretaria/ instrução espero sinceramente que não haja postos de trabalho suficientes dessa natureza numas Forças Armadas, pelo menos em número suficiente para ocupar a totalidade dos quadros mais envelhecidos. E depois, algum do trabalho de “secretaria” numas FA’s modernas e profissionalizadas (que ainda não temos) exige quadros próximo do auge das suas faculdades intelectuais. Seria muito mau sinal arranjar burocracia para entretar militares em fim de carreira. O que fazer? Passá-los à reforma ou tentar recicla-los? É um dilema… Pessoalmente acho que a remuneração “em espécie” que constitui a passagem à reforma cinco anos antes do regime geral, com iguais direitos, me parece uma boa moeda de troca neste caso concreto das FA’s.
Perante um cenário operacional todos os militares envolvidos são “militares de rua”, todos têm de estar ao sem melhor nível. Admitir que há um contingente de oficiais obsoletos é parte do problema bem real e não deve ser parte do futuro, ou seja, o problema reside no fim desse desperdício de recursos e com o correcto dimensionamento da pirâmide hierárquica, com isso a critica da AL deixaria de fazer sentido.
Mais uman ota para este ponto: as próprias FA admitem no seu regime (não sei se é assim na PSP) que para patentes mais elevadas/com mais experiência/responsabilidade a passagem à reserva se possa fazer mais tarde como acontece habitualmente com oficiais de várias patentes e mesmo para o topo de carreira nos sargentos.
Seria interessante ter os números para a idade da passagem à reforma nas FA, calculando o diferencial para o idade máxima legal em cada posto, por exemplo. Seria mesmo muito curioso.
Desconheço inteiramente a prática corrente na PSP. Os meus exemplos empíricos limitam-se exclusivamente às FA, desconfio, contudo, que a própria “cultura” dos quadros seja significativamente diferente (até nos vários ramos das FA pode haver diferenças significativas). Será que obteriamos dados estatísticos similares? Anda tudo a “abotoar-se” com os 25%? De qualquer das formass julgo que este será um dos pontos que o actual governo não deixará de alterar extinguindo a diferença.
Quanto às afrontas ao pessoal “menor” volto ao ponto do comentário anterior: nalguns casos muito pontuais (trabalhadores indiferenciados da construção civil, por exemplo) a aproximação deve fazer-se pela positiva (reduzindo a idade da reforma) e não o inverso.
Aqui que ninguém nos ouve, e apesar de oncordar inteiramente com a racionalização e a redução das disparidades envolvendo as FA, acho que este é um alvo pequenino, tem hoje muito mais fama do que proveito – resolvido o excesso de oficiais pouco resta em que cortar quanto às regalias no quadro de pessoal, até mesmo esta dos 25%, tenho para mim que não terá grande consequências orçamentais/de carreira. Já se olharmos para juizes e professores, os outros dois vértices de uma tríade há muitas décadas desfeita (desde a instituição da república para aí), aí sim, a despesa é capaz de começar a reduzir de forma que se veja. E que tal equiparar (além da idade da reforma e os sistemas de segurança social) a carreira de professores universitários e juizes à dos militares em termos remuneratórios? Voltavamos a ter a velha triade mas a preços de saldo.