Nasci no “verão quente”. Foi assim que ficou politicamente rotulado o Verão de 1975, em pleno período revolucionário.
Há um pedaço da história do país que eu e outros mais novos temos de recuperar, aquele pedaço de que mal se fala nos livros de história e que muitos ainda resumem às suas muito humanas paixões políticas.

Porque andava para escrever sobre o que vi na SIC mas me faltavam as palavras e porque as encontrei, muito melhores, num blogue vizinho, reproduzo-as aqui, com o devido crédito à autora, Guida Alves no seu Vemos, Ouvimos e Lemos:

“Até amanhã, camaradas”

Se nos idos de 75, quando a li pela primeira vez, me empolguei com a obra, agora não podia de modo nenhum ficar indiferente à sua versão televisiva.
Manuel Tiago/Ã?lvaro Cunhal não é um romancista, antes será um narrador. Épico, sem dúvida. Porque o que nos conta neste seu primeiro livro a chegar-nos ás mãos, assim como noutros que lhe sucederam, são factos reais, vividos e sentidos por boa parte do povo deste país. Actos de coragem e abnegação, de quem acredita na sua luta por um mundo melhor. Não lhe poderia faltar o traço colorido ou o toque fantasista, mas apenas para que a narrativa tenha ritmo, sem soluções de continuidade. Porque no fundamental, a que nos é mostrada era a vida real dos trabalhadores e a dos militantes comunistas. Com a sua dureza e sofrimento. Com as pequenas alegrias do quotidiano. Com a satisfação de vencer uma luta. Com a inerente repressão. Está ali tudo, o empenhamento na militância, a dureza da vida na clandestinidade, a traição, a cobardia, a sabotagem, a prisão, a tortura, a resistência. O continuar da luta, maugrado os revezes. E sempre, sempre, uma bicicleta como protagonista muda de toda a história.
Mais e acima disso, o importante papel da mulher numa vida de riscos constantes e de responsabilidades acrescidas, a da clandestinidade. Raramente ela foi a responsável política (ou controleira). Era essencialmente o complemento indispensável da célula pseudo-familiar. Zelava pela segurança da “casaâ€?, da mesma forma que o fazia com as tarefas domésticas e a gestão do escasso orçamento “familiarâ€?. Estudava também, e por vezes a imprensa do partido dependia do seu esforço. Mas era a “dona-de-casaâ€? tradicional de todos os tempos. Quase sempre tendo que renunciar à sua própria família, em condições dramáticas, para que a organização partidária pudesse usufruir de uma sempre precária segurança. (V. “As Clandestinas”, Elsa Barradas, Ed. Ela por Ela).
Sem embustes, sem retoques, sem maquilhagens, sem plásticos, uma realização escorreita, com a exacta recriação dos cenários da época, desde os cartazes publicitários às velhinhas camionetas do “Eduardo Jorgeâ€? e aos comboios a vapor. Um elenco de actores primorosamente dirigido, a pontos de nos fazer pensar se não se sentiriam mesmo dentro da pele das suas personagens, sessenta anos atrás.
De perder o fôlego. De não perder uma nova visualização a quem tenha tido a feliz ideia de gravar.”

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