(republicado)
Ontem trouxe aqui um destaque a várias triologias e entretanto ameaça surgir uma outra que acho que vale bem uma leitura.
Por enquanto são dois textos do meu homónimo do Pais Relativo: A (de)missão de informar e o império da opinião. O Rui termina a última reflexão com uma pergunta que no mínimo os visados deveriam considerar:
“Por exemplo, se ficamos a saber da coluna de opinião de Judite de Sousa que ela considera certo líder político incompetente, como esquecer-nos dessa sua opinião da próxima vez que ela o entrevistar para a RTP?”
Podemos sempre dizer que ao menos sabemos com o que contamos, não temos de nos esquecer de nada, mas… Como já aqui disse, enquanto leitor e consumidor de informação fico preocupado. Custa-me mais valorizar o esforço de isenção e objectividade a quem também faz da sua carreira e fonte de rendimento a emissão de opinião. E aqui a remuneração parece-me pecaminosa. Juntar aos problemas próprios da carreira de jornalista os de fazedor de opinião empenhado, parece-me tarefa sobre-humana para a maioria dos mortais sem que com isso se comprometa algo de fundamental ao nível do jornalismo. Como questiona o Rui, o jornalista que deixa transparecer a sua opinião mais ou menos irredutível sobre quem poderá vir a entrevistar, perde a aura de inquisidor independente que deveria cultivar e perseguir. No caso particular da entrevista, onde o perguntador trás o preconceito público escarrapachado na testa, como devo encarar o que se vai passar? Vou assistir a um debate viciado onde uma das partes controla em absoluto o tempo e o modo como tudo se desenrola? Estando o entrevistado preso a velhos conceitos de entrevista e não podendo como tal responder à letra como se defrontasse um rival político? A manter-se este estado de coisas os “entrevistados” deverão mudar urgentemente de atitude…
Temos crónicas, temos reportagens e convivo bem com elas, admiro-as e acho-as preciosas, e talvez não me preocupasse demasiado com o alerta que o Rui faz sobre a opinião não fora o fenómeno se estar a generalizar, proliferar por tudo e por nada, surgir numa altura em que há demasiada escassez de lucidez em muitas redacções. Numa altura em que ora se é político, ora se é jornalista; em que a constante ameaça ser o estatuto de comentador, dar opinião e, particularmente, sobre o assunto estrito em que desenvolvem a sua actividade no seio de um órgão de comunicação social, indo além do clássico e bem estabelecido editorial do seu órgão de comunicação social, é demasiado nefasto. Até aqui, ao nível do editorial, quando não assinado, tenho dúvidas da sua bondade. E para que melhor me entendam repito a “pergunta” de dia 23 de Novembro:
Se todos os jornais (órgãos de comunicação social) declarassem e tivessem uma orientação política não haveria problema?
Claro que não. Deixávamos era de ter jornalismo. O que é o jornalismo? É uma questão de Retórica e Persuasão.
E fazem falta os jornalistas? Espero que uma resposta afirmativa não se restrinja a uma qualquer ideologia política.
O jornalismo não se alcança, nem se garante, por um equilíbrio de mercado com garantia de livre iniciativa.
É possível que levar esta “liberdade” (dos media e dos jornalistas) ao extremo concorra para o fim do jornalismo. O que fazer? Em larga medida a solução terá de passar pela classe, muito pouco se pode e deve fazer a nível central. Controlar as posições dominantes à luz do que manda a Constituição e manter um órgão de comunicação social de referência (TV, Rádio, Agência de Notícias e, por este andar, Jornal) com as obrigações, recursos disponíveis e objectivos bem definidos e com os estatutos blindados à interferência política directa na gestão corrente.
Um órgão de comunicação que usando os diversos meios seja capaz de disseminar pelo exemplo e pela formação o paradigma do jornalismo enquanto um bem indispensável a um Estado de Direito. Se mais ninguém na iniciativa privada quiser alinhar muito bem, mas pelo menos garantia-se a falha de mercado que se avizinha: a “marcelização” dos jornalistas com dois palmos de testa.