Não tinhas body boarders, quase não havia surfistas e muito menos hordas de betos. As vivendas nas encostas eram escassíssimas. Apenas tinhas o “Lá vou eu” com as bolas de Berlim, pasteis de nata, batatas fritas e gelados.
E também tinhas um guarda mar, bem fardado, âncora no chapéu, divisas de marinheiro, pistola no coldre e pés descalços balanceando as pernas pelo areal.
Brincar, correr, jogar à bola, raramente incomodava pois havia espaço para respirar, até para manter à distância um olhar cúmplice.
Havia já aquela família de italianos que ano após ano regressava para esta praia. Um casal de pais e outro de filhos, ainda pequenos no inicio. Bem dispostos e simpáticos, sempre a falar pelos cotovelos.
Tinhas um mar forte de águas frias que metia respeito e por isso era honesto, não escondia agueiros insuspeitos, todo ele pedia cautela.
Por vezes, raras vezes, apequenava-se e deixava-nos nadar, ver o pano verde sempre mais viçoso que os outros de tão pouco usado. E aí eras a melhor das praias, o mar abria-se, as praias juntavam-se, a serra parecia menos íngreme e o mundo maior. Vistas mais de longe, do lado do mar, as pegadas dos dinossauros pereciam também mais reais, adivinhava-se-lhes melhor o ritmo que se petrificara no antigozoico.
Não tínhamos carro e como nós eram muitos os que tinham hora certa para chegar e hora certa para partir, sempre na velha rámona onde o cheiro enjoativo a gasóleo se misturava com os cheiros do mar e com o perfume da estrada até Sintra.
No regresso, depois do combóio que se apanhava numa estação que podia ser de província, tinha a certeza de um bom gelado, uma pérola escondida já em pleno subúrbio. Um monumento efémero empunhado firmemente, quase como um trofeu, que prolongava o prazer e fazia esquecer o cansaço.
Era assim a minha praia no Verão.
P.S.: Fiquei cheio de inveja das saudades da Catarina (Praias da Figueira) por isso resolvi dar largas às minhas.