(Continuação)
Primeira parte aqui

Seguimos depois pela Estefânia onde os foliões eram esporádicos e exclusivamente motorizados. Foi por essa altura que percebemos que a passagem pela praça do Chile nos deixara os ouvidos a zunir. Mais um grãozinho de perda de audição antes dos 70 anos.
Fomos caminhando em direcção ao Saldanha aproximando-nos de um outro vulcão. Desta milha de passeio, a fotografia que guardei fê-la o sem abrigo que assentara arraial à entrada do Bilbau e Viscaya. Quase de bruços, embrulhado num cobertor e rodeado por cartões e jornais, olhava para a fonte do largo da Estefânia aparentemente indiferente às buzinas dos carros, ao agitar das bandeiras e aos nossos olhares curiosos. Ele não estava ali.

No Saldanha regressaram com intensidade as buzinas e vimos os primeiros holandeses a posar para a fotografia, uma imagem que se repetiriam inúmeras vezes ao longo da noite. Confraternização, palmadinhas nas costas, troca de cachecóis e fotografias, muitas fotografias. A Avenida Fontes Pereira de Melo estava em vias de ser encerrada na sua totalidade e as bancas de vendedores de adereços instalavam-se e despachavam a bom ritmo os produtos. Venha de lá um cachecol a 5 euros.
O negócio da noite deve ter sido a corneta “tromba de elefanteâ€? que encheu a cidade de uma banda sonora que intercalada com o pandeiro dos sambistas fez lembrar os olharápos e o animatrix da expo 98.
Mas o mais original dos aparelhos de poluição sonora foi mesmo uma sirene de manivela, instalada quase em frente ao Fórum Picoas, igualzinha à que vemos em filmes de guerras antigas avisando para o bombardeamento iminente. Click! Para o álbum.

Os sambistas? Não podiam faltar. Em torno das bagageiras dos automóveis que difundiam a melodia de pronto complementada pelo pandeiro e pandeireta, juntavam-se sambista de ocasião. Estes, como quase todos os foliões, iam-se refrescando com as cervejinhas que se vendiam em todas as esquinas com o maior dos informalismos. Seriam difíceis de contar os baldes de gelo ambulantes que distribuíam a cerveja em lata e uma episódicas garrafas de água ao longo de todas as avenidas festeiras da cidade.

Chegados ao Marquês ficou na retina o espectáculo de milhares de bandeiras esvoaçando sem tibieza, empurradas pelo vento forte. Haveríamos de regressar ao Marquês um pouco depois, já em pelo dia 1, para o encontrarmos ainda mais repleto de animação. A tudo testemunharam as entranhas da cidade ali expostas no arremedo de escavação que desfeava parte do enquadramento.

A descida da Avenida da Liberdade fez lembrar outros dias, algumas manifs. Lá do alto da edifício do Diário de Notícias, no último andar, espreitava-se pela janela… Muito pretexto para mais um cigarro ouve ontem.
O enquadramento das árvores, os cafés e restaurantes das laterais e a luminosidade menos agressiva desta avenida promoviam com maior bonomia o contacto entre estranhos. A cada camisola laranja, uma festa!

Muitas crianças acompanhavam as famílias que saíram à rua, e destas a maioria dormia profundamente embaladas pelo carro de bebé. A melhor fotografia foi mesmo a de três petizes que se aninharam no passeio em jeito de dominós tombados perante a guarda dos pais que agitavam bandeiras.

Restauradores, Rossio, Rua Augusta. Uns acima outros abaixo sem destino nenhum que não o de agitar a bandeira e esganiçar a voz. É pena sermos tão pouco dados à música (e contra mim falo). Muitos tentavam uma melodia, procuravam exteriorizar a alegria que não pelo urro e pela canção que mal dá para cantar.
Além dos brasileiros o único batuque digno de nota passou a alta velocidade numa carrinha de caixa aberta repleta de foliões. Minha gente! Se o hábito de ganhar pega, temos de fazer a festa ainda mais linda!

Se nos falta o engenho para canções e melodia sobra-nos para pinturas e pronto-a-vestir. Lindas vestimentas se fizeram com a bandeira nacional. Do mais provocante ou mais trabalhado, um vestido digno de passerelle passou por ali: “clickâ€?.
Do caos à ordem, da ordem ao progresso?
Fechou-se a noite com os pés doridos e a alma reconciliada vá-se lá saber com o quê.

Perdoem a prosa mas não tenho tempo para primores. Fiquem bem!

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