Em democracia ganhar é ter mais um voto. Em democracia representativa semi-proporcional: ganhar é ter mais representantes eleitos e, depois, quando esses são chamados a votar – os deputados – ganhar será ter mais um voto.
Quem tem mais representantes eleitos ganha o direito a poder escolher o governo e a governar, a menos que haja uma maioria maior de deputados que estejam de acordo em dar apoio a um outro governo. Foi o que aconteceu em 2015 e é o que acontece quase todos os anos um pouco por toda Europa.
Nesse ano de 2015, a coligação PSD+CDS teve mais votos que o segundo partido mais votado mas não teve uma maioria para suportar o governo. Ainda chegaram a formar governo mas foi de pouca dura e foram substituídos por um governo do PS que, para conseguir governar, não pôde simplesmente agarrar no seu programa pois precisou de dialogar e chegar a entendimentos com quatro outros partidos.
A governação do PS não deixou de respeitar o essencial da vontade dos seus eleitores mas não pode ignorar as condicionantes impostas pelos representantes dos outros partidos que apoiaram o governo que, assim, também conseguiram influenciar a governação e dar sequência a uma parte dos respetivos programas.
Note-se que havia uma facilidade adicional, o conjunto dos partidos que apoiaram esse governo eram de centro-esquerda e de esquerda. Volvidos quatro anos, os Portugueses avaliaram favoravelmente essa experiência dando uma maioria reforçada a esse conjunto de partidos, com o PS a assumir-se já como o partido mais votado.
É verdade que o não é forçoso que os apoiantes dos governos tenham de ser todos do mesmo quadrante político. Veja-se, por exemplo, a Alemanha hoje onde convive o PS lá do sitio – SPD – com os Verdes (esquerda) mais a FDP que será próxima da IL cá do sítio. Mas é preciso haver pontes importantes para assim ser e, acima de tudo, não haver atitudes de repulsa total como cá sucede com a IL em relação ao PS.
Nessa mesma Alemanha, uma experiência recente de Bloco Central não deixou muitas saudades e se voltou a haver um governo com apoio multi-bloco, a pequena dimensão do FDP e a possibilidade da CDU (o grande partido de direita) continuar a liderar a oposição, terá ajudado. Entretanto, fora do arco continua a AfD, o partido de extrema direita.
Mas voltemos a Portugal e ao respeito pela vontade eleitoral.
Numa democracia representativa semi-proporcional, os equilíbrios que melhor respeitam a vontade popular expressa nos votos têm de ter sempre em conta os resultados eleitorais. Por cá, não há a lógica do vencedor ficar com todo o poder, como se tem visto.
De facto, a intenção de todo e qualquer partido é ter a melhor votação possível não só para tentar ter o direito de formar governo mas também para ter maior capacidade de influenciar a governação caso não consiga o primeiro objetivo.
Quanto maior a votação mais provável será cumprir o seu programa ou uma maior parte dele. De outro modo, e não desprezível, quanto maior a votação maior a capacidade de defender o seu programa que poderá passar também por conseguir impedir que legislação com que concorde, já em vigor, alinhada com o programa que levou a votos, possa ser alterada.
Retira-se logicamente daqui que quando se tem praticamente a menor votação possível para se conseguir ganhar as legislativas e se declara querer forçar cumprimento de todo o programa colocando o ónus de não o conseguir na oposição não se está verdadeiramente a respeitar os eleitores, nem os princípios mais básicos da democracia representativa semi-proporcional. Ora essa é precisamente a atual situação em Portugal, com a Aliança Democrática face ao PS. Ambos tiveram menos de 30% dos votos e ficaram a uma unha negra de distância em número de votos e de deputados.
É também legítimo concluir que quem faz tais declarações não estará muito interessado em usar os votos e representantes obtidos para se conseguir governar o melhor possível nas atuais circunstâncias mas antes em procurar outras circunstâncias para ter mais poder.
A verdade é que com tão magra vantagem e sem maioria absoluta, o desafio, como foi referido pelo Presidente da República é difícil mas realizável desde que sendo excecional na capacidade de diálogo e de criação de consensos.
Ouvido o discurso de ontem de Luís Montenegro, já Primeiro-Ministro, parece óbvio que não está motivado para esse autêntico cabo de trabalhos. Mas antes empenhado em culpabilizar a oposição e o Partido Socialista, em particular, recuperando a expressão cavaquista das “Forças de Bloqueio”.
No fundo, Luís Montenegro, no seu primeiro ato oficial, diz ao país que quer cumprir o seu programa sem cedências e que se não o cumprir será por vir a ser vítima do PS, um partido que, naturalmente, se comprometeu a defender o seu programa e os princípios que propôs aos eleitores e que lhe deu essa votação ligeiramente inferior.
Quando seria preciso ter a maior capacidade de consensualização de sempre para tornar útil a menor maioria de sempre, temos o compromisso de que não haverá empenho em fazê-lo.
Seria possível pior início de governação?