Imaginem que durante estes três anos o PS, internamente, tinha de facto escrutinado os últimos governos do PS: o que fez de bem, de mal e isso hoje estava consolidado. Hoje o que tínhamos era uma clara identificação de construções e ruinas aprendidas e compreendidas para uma melhor governação futura do PS. A política do costume, dominada pelo taticismo, pela ausência de rasgo e de debate franco e direto, em caso de anormalidade, revela a fragilidade em que nos deixa. Essa forma de fazer política não aposta na resiliência mas na superficialidade. Foi isso que se fez no PS durante estes três anos com culpas partilhadas por uns e outros, diga-se de passagem.

Não tendo existido esse esforço, tragicamente hoje é mais fácil tudo se confundir. A tentação de outras forças políticas resumirem o que o PS fez em seis anos de governo a uma eventual sentença judicial do primeiro-ministro da altura é enorme, ainda que absurda. Imaginem que Sócrates é de facto condenado através de uma lei que os seus governos modernizaram tornando mais eficaz o combate à corrupção e ao branqueamento de capitais. Se para uns daí resulta uma qualquer ironia resulta também que quem denegrir acriticamente a sua herança cai automaticamente no ridículo. A realidade histórica não autoriza a confusão entre a eventual culpa de atos criminosos (que levaremos anos a confirmar ou infirmar) com toda a governação e o seu sentido e contributo que deu para o país.

Depois da derrota eleitoral, o PS tinha que ter feito a introspeção e começado assim que possível a proclamar o que retinha e desenvolveria e o que reconheceria como falho e necessariamente para não repetir. A herança que o PS queria verdadeiramente reter ficaria mais clara e estaria há muito a ser defendida. Não foi assim e as últimas primárias, pelas opções de campanha adotadas, também não contribuíram de forma particularmente feliz para esse exercício.

Qualquer militante que tivesse pedido essa introspeção e posterior resultado publico teria andado a pregar no deserto? Provavelmente. Mas teria tido razão, apesar de ter estado longe de ter imaginado que o pretexto viria de forma espetacular, através de um caso de polícia mediatizado como aquele que agora se começou apenas a desenrolar.

E agora? Agora fica apenas mais difícil, mas faz-se e a atual liderança deverá ser particularmente competente para o fazer. António Costa teve a proximidade suficiente para conhecer procedimentos e resultados bem como o afastamento suficiente para os analisar e criticar construtivamente, sem particular paixão. Tem a vantagem da experiência política partidária e de representação, em funções executivas e de fiscalização como poucos neste partido. Não será certamente por aqui que o PS não ultrapassará dificuldades ou deixará de se afirmar no país.

O que temos e por onde vamos? O pensamento estratégico está consolidado na agenda para a década, faltam agora as bandeiras para a próxima legislatura com as quais o PS pedirá a oportunidade para governar e faltará também implementar aspetos chave da reforma estatutária do próprio partido que poderão alterar os mecanismos internos de transmissão de poder, protegendo-o progressivamente do enquistamento, da captura nefasta e do afastamento face aos eleitores. Tudo situações que há muito foram identificadas como fatores críticos para a modernização e renovação partidária.

Com um conjunto inteligente, realista, alinhado com os anseios da maioria da população portuguesa de bandeiras que tenham fundamento no seu passado, que o projetem no futuro e que inequivocamente o distingam das opções políticas recorrentes que nos têm governado nos últimos anos, o PS completará as condições que lhe permitirão ser encarado, mais uma vez, como a legítima escolha para melhor governar o país por parte da maioria clara dos nossos concidadãos.

Haja inteligência e perceção do que tem que mudar. Tenho para mim que o povo português é mais sábio do que a generalidade da classe política, individualmente, em privado, diz acreditar. Acreditemos no povo e apresentemos-lhe uma proposta competente, conhecedora da realidade, pragmática, audaciosa, com fundamentação partilhada e focada na prioridade máxima que deverá ser sempre a melhoria das condições de vida da população, numa comunidade solidária que tem direito a ser respeitada e a controlar o seu futuro, a ter esperança.

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