Francisco Assis escreve hoje um texto importante no Público “O elogio da moderação”. Este texto é importante precisamente por oferecer uma clarificação que tem faltado sobre o que pensa por estes dias quem está no órgão executivo do PS, permitindo assim que melhor se exponham as diferenças, as lacunas e, em certa medida, as omissões.

Assis define dois lados da barricada na política atual aplicando essa dicotomia também à esquerda social democrata. Uma barricada que estará a ceder ao radicalismo, alimentada pela paixão pela confusão entre “direito, moral, política e puro sentimentalismo” e outra barricada que se oferece como esclarecida, por entender que tem de haver um primado dos raciocínios lógicos, das garantias formais da lei e da procura de diálogo e consenso.

Afirma Francisco Assis que “um dos perigos que podem surgir é o do avanço das opções extremistas em detrimento de atitudes moderadas e propensas ao diálogo e a alguma forma de consenso.” (sic).

Assis hoje, na sua prosa, constrói em cima da ideia de que há uma deriva radical apodando-a de promover “o empobrecimento do pensamento, o abastardamento da linguagem, a exaltação do simplismo na representação da realidade” queixando-se que desta forma o debate politico se esvazia de conteúdo. Esta esquerda radical está, para Assis, bem presente no PS (onde certamente incluirá figuras como Mário Soares e o sempre apaixonado Manuel Alegre) e não estará a permitir a “adesão às regras da democracia representativa, valorização dos objetivos de compromisso social, [e o ] aprofundamento dos direitos individuais”.

Para completar o cenário de diabolização e radicalização que identifica num certo PS, acusa-o de estar a reagir acriticamente a uma armadilha externa: “O que a esquerda não deve é cair na armadilha que lhe é estendida pela direita mais radical e que consiste num incitamento à sua deserção do plano da realidade para o universo da denúncia quixotesca e dos projectos inexequíveis.”

E termina aludindo a que essa esquerda está a ter uma atitude “incompatível com a participação na vida cívica de uma sociedade aberta e pluralista.” E que estará a dar “pequenos passos, aparentemente inócuos, que nunca devem ser dados.”

Em suma, Assis constrói dois PS, o dos perigosos anti-democratas planfletários e o da gente moderada, ponderada, do consenso que respeita as regras formais. É naturalmente neste último que se revê: um PS inteiramente disponível para consensos e, no fundo, o verdadeiramente democrático e defensor do, nas palavras de Assis, “modelo democrático-liberal”.

Terminada a leitura assaltam-me algumas dúvidas:

Com quem pensa Assis consensualizar em Portugal? Com a tal direita radical que anda a espalhar armadilhas à esquerda? Há outra neste país? Se sim, qual? E qual a matéria de consenso? Ou então em que medida advogar o consenso no vazio e com parceiros incertos não é panfletário?

E como é possível que tantos socialistas, fundadores do PS, sejam hoje tão ingénuos e profundamente anti-democráticos?

Na crítica e simplificação com que categoriza aqueles que de alguma forma tentam hoje repensar a esquerda e procuram exaltar a necessidade de clarificação, de procurar um rumo diferente e atual, Francisco Assis acaba por ser de um radicalismo, de uma falta de moderação e de ponderação que são raras mesmo nos tempos de alguma exaltação em que vivemos. Uma moderação e ponderação que lhe sobram para a defesa do consenso com protagonistas que se adivinham necessariamente os da direita mais radical. Em que direita pensará para consensos quando temos um governo de coligação onde se inclui toda a direita relevante em Portugal? A direita mais radical das armadilhas é outra? Qual?

Ao radicalismo da direita não temos de responder com radicalismo de esquerda, mas consensualizar com radicais leva exatamente ao quê? Terá Claudio Magris profusamente citado no texto de Francisco Assis refletido algo sobre esse assunto?

O PS precisa de encontrar um rumo, reafirmar o que achar relevante em termos identitários, criar uma agenda de prioridades e preparar-se para governar o país considerando cenários que só parcialmente controla. O PS precisa de se definir quanto a um conjunto de aspetos absolutamente identitários que terão de ter consequência prática na governação futura e assumir preferências e escolhas nas mais variadas vertentes da ação política. Naturalmente, nem todas as escolhas e opções serão inegociáveis perante a perspetiva de criar condições de governabilidade, mas hoje ao PS falta muito mais dar a perceber o que é chave e estratégico, do que sublinhar o que é negociável; até para poder ser um par de pleno direito e com a força necessária para negociações futuras, seja com quem tiver de ser. E isso, neste momento, não é evidente que esteja a ser construído. Essa ausência de reflexão e de afirmação só acrescenta à ansiedade e inquietação que tantos vêm exteriorizando. Não há outra forma de legitimar a possibilidade de vir a concertar caminhos, de se recredibilizar e de ter uma orientação fundamental para quando for governo.

Afirmar o primado da moderação e do consenso – ah! como prefiro a concertação ao consenso! – como se dai decorresse o único caminho para quem siga princípios lógicos é um pequeno passo, aparentemente inócuo, que nos pode conduzir a um destino e uma experiência governativa profundamente danosa para o país.

Publicaod originalmente no 365 Forte.

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