Caro Vega9000, apesar de hoje até ter dado um nobel da economia, não sou grande fã de estudo de eventos, em particular quando estudas um fenómeno multivariado onde não consegues controlar tudo o resto que condiciona a realidade. E nesse sentido, o teu exercício de prova (aparentemente o PS – e o PSD, já agora – começaram a subir após Sócrates ter regressado) nunca te poderia dar razão tal como nunca te a poderia tirar. No final desta conversa, não sairá ninguém com razão pois estaremos a discutir perceções, interpretações. Especulamos sobre consequências políticas.
Talvez tenhamos contudo diferentes pontos de partida. Acredito que Sócrates é ainda hoje um lastro complicado para o PS, incluindo para uma parte importante do eleitorado que podia perfeitamente abandonar a abstenção, o voto branco ou nulo e regressar ao eleitorado do PS. Provas? Não tenho. É uma apreciação subjetiva do que vou vendo por aí. Falível como é óbvio. O que sei é que a governação anterior está longe de ter sido digerida, escalpelizada, debatida. E não vejo que uma defesa monolítica e naturalmente enviesada promovida por Sócrates a substitua com propriedade. Repito, como disse anteriormente, há por aí culpas de parte a parte. Nada que se pareça com o exercício de reflexão feito pelo PSOE foi desencadeado por cá, por exemplo. É pena.
Em defesa adicional da minha tese posso apenas acrescentar que a ameaça, os engulhos de um ex-líder a uma nova liderança são um clássico em política. Episódio aliás já visto em Portugal e no passado do PS. Tanto mais danosa quanto (entre outros):
1) Mais pesado for o fardo percebido pelo eleitorado associado ao antigo líder (a tal questão da credibilidade e do peso político do antigo líder);
2) Maior for a identificação de ambos os líderes com a marca partidária que os une;
3) Quanto mais fraca for a nova liderança em matéria de autoridade política.
Perante esta grelha é até possível haver algumas situações teóricas em que o impacto da convivência de líderes sucessivos seja virtuosa; não me parece que seja o caso. É até particularmente nefasta pelas três razões.
Acrescendo, já agora, que nem sequer oferece a esperança de uma alternativa dado que não creio que haja qualquer motivação ou possibilidade nesse sentido. Aliás, dito isto, aproveito para esclarecer que é irrelevante se há ou não lealdade. Não invoquei qualquer deslealdade e à exceção de uma discutível interpretação pré-eleitoral que Sócrates fez sobre as autárquicas, nunca lhe vislumbrei qualquer ataque à atual direção. Admito até que haja alguma entente cordiale. O que releva é o efeito que a situação produz.
É claro que podes conviver bem com a última alínea pois sublinha a fragilidade de uma direção de que não és apoiante, tudo bem. Alegra-me pouco essa evidência e acho despropositado que se faça por esta via.
Procurando respeitar um certo sentido de justiça que me é caro, não é esse o meu caminho de eleição e fosse quem fosse o líder atual do PS, a sensação que tive ontem de que estava a assistir a algo contra-natura ao ver na RTP1 o antigo líder a comentar o governo segundos depois da conferência de imprensa manter-se-ia. Acredita se quiseres. Não me leves a mal, mas, nesse particular, a tua opinião ou a de qualquer outra pessoa interessa-me pouco. É o que penso.
Quanto ao resto do teu artigo… O meu nível de empolgamento com o atual PS poderia ser francamente melhor (não o tenho escondido por aí e até por aqui) e acho que há muito por onde melhorar e a criticar nas posições e nas omissões evidentes. Mas tenho também poucas dúvidas que não temos melhor alternativa para recuperarmos o bom governo do país a que se junta a evidência de que não é este o momento para pensar em mudar de direção.
Dito sito, até para me sentir mais “credenciado” nesses contributos críticos que possa vir a dar (pontualmente alinhado ou desalinhado com a atual direção), não podia deixar de passar isto que me parece uma situação que roça o absurdo político.
Uma situação que acho deveria ser evitada por todos. Aliás, acho que não me afasto muito do que pensa António Costa sobre o assunto, quando afirmou que não imagina sequer, como amigo, que isto seja bom para Sócrates:
“Má ideia. Enfim. Mas é como amigo.” Disse há uns meses sobre o assunto
Acrescento que tenho imensas dúvidas que seja bom para o PS. Como camarada.
Originalmente publicado no 365 Forte.