O plano A é conhecido. Partindo do pressuposto (correto) de que Portugal (e outros países com economias fragilizadas) não conseguem sair da atual crise de forma honrada sem outro tipo de disposição e auxílio dos seus parceiros europeus, o atual secretário geral do PS já enumerou um conjunto de metas que irá perseguir tanto na oposição como no governo e que passam por alterar significativamente as restrições externas e omissões de intervenção face à nossa economia.
Não vou discutir detalhadamente as medidas, concordo com muitas delas e considero algumas claramente tentativas, pontos de partida e nunca pontos de chegada que exigirão concertação europeia e cedências importantes se compararmos as metas aos resultados finais a obter. Tenho em mente quanto a isto, em particular, a ideia da mutualização da dívida pública acima dos 60% do PIB de cada país. Parece-me impossível de implementar do ponto de vista político ainda que desejável no contexto de quem acredita e defende uma integração europeia muito mais expressiva (confesso que já fui mais adepto desse voluntarismo do que hoje).
Em todo o caso, o sinal dado pelas propostas do PS em matéria de gestão orçamental partilhada na zona euro parecem-me clarificadoras e estimulantes para dinamizar a discussão política que está largamente por fazer (acreditam alguns que em banho-maria, a aguardar os resultados das eleições alemãs).
Entretanto, a acrescer a estas propostas já conhecidas, o PS vai pontuando algumas decisões do governo, comprometendo-se com a sua reversão. Já o foi declarado quanto à reforma administrativa que gerou a fusão de freguesias e hoje foi-o outra vez em relação ao corte das pensões. Não retive com rigor se a reversão prometida abrange apenas os efeitos retroativos dos cortes das pensões já em pagamento ou se seria generalizado a todos os cortes agora preconizados.
O PS tem-se oposto terminantemente ao reforço da austeridade por este ser manifestamente contraproducente no atual contexto económico local e internacional. Nesse sentido, esta proposta é coerente.
Contudo…
Contudo, o PS desde que começou a afirmar o caracter imprescindível da renegociação do apoio externo para sairmos da crise – que implicaria parar com a austeridade e algum relaxamento nos objetivos temporais de reequilibrio das finanças públicas – tem vindo, e bem, a ser confrontado pelos jornalistas e também pelo atual governo com a pergunta sobre o que fará o PS no caso das renegociações com os nossos parceiros, não resultar um cenário que permita acomodar, pelo menos na totalidade, esse novo enquadramento que o PS acha vital para a economia nacional voltar a crescer.
Creio que o PS tem dado uma não-resposta pelo que, aparentemente, responder nesses termos seria pactuar com a atual política e fragilizar a posição de força que o PS quer demonstrar junto dos nossos parceiros. Note-se que em nenhum momento o PS admite sair do euro ou deixar de honrar os nossos compromissos financeiros. Sublinho isto porque os graus de liberdade que o PS se auto-impõe (e que as circunstâncias estabelecem) são extremos, o caminho é muito estreito.
O que me leva a considerar que não está a ser dada a melhor resposta à pergunta que acima referi, que além de estar na mente de jornalistas e de adversários políticos creio estar também na mente de um número significativo de portugueses, eventualmente predispostos a apoiar o PS caso a resposta seja convincente.
Mas como pode o PS dar uma resposta convincente se a sua política estará dependente do sucesso de uma negociação que se adivinha difícil?
Esta pergunta ganha relevo sempre que o PS venha publicamente sublinhar que irá inutilizar logo tenha poder, medidas com impacto orçamental. Pode o PS prometer reverter medidas se não está certo de vir a conseguir a “folga” para o fazer? Não estará com isto a descredibilizar-se desde já junto dos eleitores que vão um pouco mais além do valor facial das promessas e prezam a sua memória política recente? Será esse risco consciente e o objetivo justifica os meios?
O pacote de propostas que o PS tem vindo a propor está estabilizado e, diria, é já conhecido por muitos. Logo, será tempo para o passo seguinte.
Por muito pouco convencional que possa parecer aos tarimbados da política, a resposta, parece-me, passa por um suplemento de sinceridade, de profundidade política e de coragem.
Sinceridade e franqueza para admitir que o PS estará preparado para um plano A e para um plano B. No fundo uma prova de maturidade e uma garantia de governo.
Profundidade porque ao admitir um plano B, onde eventuais insucessos negociais possam exigir tomar medidas amargas, o PS pode e deve detalhar o que o distingue políticamente em termos de opções, hierarquia de objetivos, prioridades.
Coragem porque abordar qual a política alternativa num cenário de austeridade (ainda que eventualmente mais moderada do que a atual), implicará, por muito bem explicada que seja (pelo racional de solidariedade, de eficência e de resultado global ao nível do bem estar da comunidade) que alguns ficarão desde logo a saber que a governação do PS dificilmente será do seu interesse, com as potenciais consequências eleitorais que tal possa ter.
Acreditando que haja a clarividência suficiente dentro do PS para perceber que estes são tempos anormais, que a credibilidade nos políticos tem mesmo de ser reconquistada e que uma tática à moda de Passos Coelho (mentir descaradamente em campanha enchendo a boca de verdade para depois trair com total desplante na governação) não é aceitável e, a prazo, auto-destrutiva, há uma clarificação política que o PS ainda tem de fazer. Passa por criar a convicção no eleitorado de que governará melhor, de forma mais razoável e defensora dos interesses fundamentais que preocupam o cidadão comum, baseada em algo imune a qualquer cenário futuro.
Essa convicção a alimentar passa por o PS conseguir explicitar de forma clara que há sempre uma forma má e uma forma boa de gerir a coisa pública, haja défice ou excedente orçamental. Há sempre alternativas políticas antagónicas na decisão do que fazer com cada um dos euros do orçamento do Estado, algo que este governo tem tornado muito evidente, em particular para aqueles que apregoavam que a ideologia tinha morrido.
Tal como há consumo produtivo e consumo insustentável, haverá poupanças desejáveis e poupanças destruidoras de valor. E isso não depende de como correrá a negociação com a troika. O PS tem de conseguir convencer o eleitorado de que conseguirá gerir muito melhor o Estado português do que o atual governo, em todas as condições meteorológicas e em todos os sector de organização do Estado.
Para isso, terá de conseguir encontrar uma resposta clara e cristalina à pergunta chave que continua a ser, no fundo: em que é que o PS é diferente do PSD? Até que o consiga, em vez de evitar que se acredite que faria igual (como muito portugueses dizem pensar) estará apenas a consolidar essa perceção. O silêncio ou a pouca clareza não é uma opção.
Pensando bem, dar essa resposta não devia ser uma tarefa muito complicada, pois não?
Publicado originalmente no 365 Forte.