"Os modelos de organização das forças de segurança enfrentam sempre a mesma contradição. Por um lado, têm de responder às necessidades operacionais das polícias e garantir a eficácia destas no combate a formas de criminalidade cada vez mais bem organizadas e dispondo de meios cada vez mais sofisticados. Por outro, têm de contemplar as questões relativas à defesa dos direitos dos cidadãos, algo obviamente imprescindível nas sociedades democráticas modernas.
A nova arquitectura das forças de segurança em Portugal, estruturada em torno da criação de um responsável, o secretário-geral de Segurança Interna (SGSI), coloca de novo esta contradição em evidência. A concentração de informação será útil no plano da eficácia. O problema é que essa informação passará a estar apenas à disposição do futuro detentor daquele cargo e pelo único responsável político que tutela o SGSI: o primeiro-ministro, José Sócrates. (…)"
Miguel Gaspar In Diário de Notícias.
Até onde o estado deve ter direito para se meter na nossa vida? E com que poder? Com que regulação?
O equilíbrio de pesos e contra-pesos perante as recentes medidas de concentração de poder parece difícil de assegurar. Tudo começa torto quando se torna evidente que quem assume o poder político está longe de representar o que de melhor tem o país em termos de capital humano. E será tanto mais grave quanto, por exemplo, melhor vierem a funcionar os respectivos serviços controlados directamentamente por um único órgão de soberania (ou pelo representante máximo do mesmo, como seja o caso do Primeiro-Ministro). E este é um receio que não deveria fazer sentido…
Tendo isto em atenção e recordando quão ameaçado está em permanência o sentido de Estado dos próprios funcionários públicos, particularmente daqueles que é suposto terem um estatuto de independência reforçado relativamente ao poder político, o tempo é de semi-pânico para os amantes da liberdade e para quem tem memória ou julga saber o que a história pode trazer a pretexto das boas intenções e dos ganhos de eficácia.
É inegável que se exigia e exige a este governo que recupere poder efectivo, tantas vezes "delegado" na burocracia do Estado e nos "grupos de pressão", mas parece-me que em matéria de segurança interna se está a passar para uma situação que ultrapassa o que é recomendável num Estado democrático.
Eu insisto em ter de acreditar que o objectivo colectivo será termos, em média, uma classe política mais competente e não limitar-mo-nos a eleger iluminados, versões geralmente medíocres de primus inter pares, tipicamente provenientes de um rol de figuras pardas que, sem nunca arriscarem o pescoço por via da clareza política, chegam ao topo do poder legislativo do país. E não estou a pensar sequer principalmente no actual primeiro-ministro… Ainda que o perfil também lhe assente em larga medida. O que nos é proposto é termos um poder cada vez mais centralizado mas também não controlado no que se refere ao uso dos instrumentos de acesso e divulgação de informação sensível.
Se juntar a isto a percepção que tenho de que, por exemplo este governo em concreto, em termos de informação, segue a prática do mais manhoso dos árbitros de futebol com agenda própria, temos o caldo entornado. E então se pensar no que teria acontecido no passado recente se este poder já estivesse consagrado na lei, nem sei que diga…
Será que o actual poder político quer mesmo trilhar este caminho? Se tudo isto estava no programa do governo, andei mesmo muito distraído. Eu e muita gente, não?