Martim Avillez Figueiredo, Director do Diário Económico (um editorial a merecer leitura integral).
” (…) Pode dizer-se: pagar bem a técnicos do Estado é uma ofensa num país em que o ordenado médio não vai além dos 600 euros. Perfeito. Essa opção, porém, abre margem a erros como o que sucedeu ontem no Ministério das Finanças. Não há alternativa: querendo competência, é preciso estar disposto a pagar por ela. Um técnico da Direcção-Geral do Orçamento ganha 1600 euros por mês brutos – menos cerca de 600 euros do que um técnico com iguais qualificações num qualquer gabinete responsável pela produção de relatórios e contas para empresas privadas.
Sócrates quis ser o feiticeiro da classe política. O feitiço, como ele está a ver, virou-se contra o feiticeiro.”
“Editorial > 2005-06-28 14:00
Feitiço
Martim Avillez Figueiredo
Podia sublinhar-se o óbvio: os erros que o Diário Económico encontrou no Orçamento de Estado são um escândalo: político e técnico.
Podia, mas não resolve nada. Discutir assim este triste caso seria usar as mesmas armas do Ministério das Finanças que, em comunicado publicado ontem, disse que não havia qualquer erro mas sim incorrecções. Enfim… Regresse-se ao argumento.
Forçar a mudança de protagonistas – como pede agora a oposição – só iria piorar as coisas. Pior: manteria o país na lógica de que responsabilidade não é igual a resolução de problemas mas, sim, à capacidade de os lançar para trás das costas. O que significa que a culpa destes erros grosseiros do Governo devem ser imputados a Campos e Cunha, claro, mas podem ser vistos como mais um valente tropeção da máquina da administração pública – foram os serviços técnicos das Finanças que atraiçoaram o ministro. Como antes foram os técnicos do Ministério da Educação que fintaram (a ministra) Carmo Seabra quando tudo falhou nas listas de colocação de professores. Volta à agenda, portanto, a ideia de que os funcionários da administração pública não estão preparados para responder aos desafios que a máquina lhes coloca.
E isto, sucedendo neste Governo, amplifica ainda mais o despropósito da vontade de José Sócrates em retirar privilégios aos funcionários públicos. Melhor dito: deixa claro que o problema do Estado está nos seus activos – ministros incluídos – e que só no dia em que os que não servem forem substituídos por aqueles que resolvem problemas a máquina vai melhorar. O exemplo recorrente: Paulo Macedo, responsável máximo pela máquina que cobra impostos, tem um vencimento superior ao do primeiro-ministro: cerca de 20 mil euros por mês. A cobrança fiscal coerciva, com ele, já aumentou 25%.
Pode dizer-se: pagar bem a técnicos do Estado é uma ofensa num país em que o ordenado médio não vai além dos 600 euros. Perfeito. Essa opção, porém, abre margem a erros como o que sucedeu ontem no Ministério das Finanças. Não há alternativa: querendo competência, é preciso estar disposto a pagar por ela. Um técnico da Direcção-Geral do Orçamento ganha 1600 euros por mês brutos – menos cerca de 600 euros do que um técnico com iguais qualificações num qualquer gabinete responsável pela produção de relatórios e contas para empresas privadas.
Sócrates quis ser o feiticeiro da classe política. O feitiço, como ele está a ver, virou-se contra o feiticeiro.
mafigueiredo@economicasgps.com”