Aproveito o debate de hoje para regressar à política e para me complicar, tentando transmitir como lá bem no fundo sinto as coisas, deixando de parte a precisão das medidas e das propostas.
Ponto prévio. Assisti à primeira parte do debate, depois vi a Galáctica e de seguida assisti à entrevista de Jerónimo de Sousa (gravada) que passou na 2 (hoje publicada no Público)
A Emoção:
E pego precisamente em Jerónimo de Sousa. Nenhum outro líder político me inspira confiança na sinceridade das propostas que faz e me dá mais gosto ouvir. E esta hem?
Não suporto os esquemas, truques e contradições sucessivas de Louçã, Porta e Lopes, tal como não apreciava um Carvalhas aparentemente agrilhoado, escondido dentro de um qualquer armário.
A campanha passou e não encontro em Sócrates nenhuma chama, nada que me apele à emoção. Perante os outros dá-me garantias racionais de cumprir com dignidade mínimos olímpicos – um valor escasso por estes dias que justifica largamente o meu voto já aqui declarado.
Mas faltar-me-á a paixão e sem ela a política dissolve-se, a prazo, em outras coisas. Perde o fundamental daquilo que a distingue, resume-se, na melhor das hipóteses numa sóbria tecnocracia. Como Sócrates bem diz, é preciso trazer esperança, confiança para sair da depressão actual… Pode ser que eu seja uma excepção e que de facto ela se obtenha e dissemine pela mensagem do PS, quem sou eu para atestar o contrário?
Jerónimo de Sousa, o ortodoxo, o operário (com todos os dedos), o ridículo da dança popular na campanha das presidenciais em cena repetida até à exaustão no dia em que foi nomeado secretário-geral…
Fala claro, sem subterfúgios, vem expondo com simplicidade a prevista ortodoxia, desmistificando mais a imagem negativa do que confirmando-a, diga-se. No discurso sóbrio e simples, os fantasmas do PC são encarados de frente (finalmente!), a ambição pelo poder é assumida e aferida pelo trabalho no parlamento… O modelo actual do PCP é o PCP, nenhum outro “comunismo” sobrevivente lhe serve de exemplo, nem a Coreia do Norte… Na entrevista a que assisti, Jerónimo de Sousa assume em português corrente as expulsões no seu partido dos muito distraídos e serôdios dissidentes – a adjectivação é minha -, deixando claro o que é imutável no PCP ao nível da democracia interna. E forçando-nos, já agora, a pensar quão longe está verdadeiramente da democracia interna dos outros partidos, pelo menos em algumas áreas tão importantes como a constituição das listas de deputados…
Ouve-se este PC e olha-se para o bolo como ele é, só compra quem quer.
Jerónimo de Sousa e o PC apresentam-se sem grandes efeitos, apenas política quando muito com o spin embutido e não usado como uma prestação de serviços externos tantas vezes desgarrado e gerador de imagens esquizofrénicas. Talvez Jerónimo de Sousa seja o mais profissional de todos os líderes políticos, em todas as acepções do profissionalismo. Porquê? Será pela força interior da ideologia que o comanda? Mesmo que assim seja, há na sua mensagem algo que deveria servir de exemplo aos políticos de todos os espectros políticos. Do mais paternalista dos partidos surge o menos paternalista dos líderes, o único que, até ao momento, não me fez dançar incomodado na cadeira por ter de acomodar uma mentira descarada ou defendida por um qualquer floreado diplomático de linguagem tipo “promessa versus objectivo”. Os disparates do PC e de Jerónimo de Sousa não são gratuitos mas também por isso, regressando à política, nunca votaria nas políticas do PC. Triste é ser este o único partido que me permite avaliar e testar uma proposta coerente e rejeitá-la fundamentado na divergência política sobre o modelo de sociedade. Todos os outros me parecem perdidos, em graus diferentes mas inquestionavelmente perdidos, vazios, incoerentes, inconsistentes.
Da Emoção à Razão:
Talvez Sócrates, com ou sem maioria absoluta, consiga o raro feito de ir construindo uma relação com o país, já que o amor à primeira vista parece duvidoso. Haverá maioria absoluta? Não sei. Será desejável? Permanece a curiosidade daquilo que nunca se experimentou… Sim, acho que, apesar de tudo, vale a pena pagar para ver. Os desvarios do passado recente permitem uma base de fiscalização suficientemente clara para avaliar o desempenho de um PS maioritário. E julgo, também, que ficou claro na cabeça dos dirigentes socialistas que a história não acaba hoje e que os níveis de exigência e a margem para erros passados é muito estreita. Haja um novo PSD ou novas propostas democráticas o quanto antes para valorizar o voto do próximo dia 20!
Termino com duas ideias.
Por um lado, o alívio de nos livrarmos do actual poder será genuíno e não menosprezável, mudar será mudar para melhor, será garantir maior clareza perante a desorientação vigente e será assumir um maior compromisso de dignidade no exercício da política e no respeito pelo Estado. No mínimo será isto.
Por outro lado, o certo é que vou votar PS como quem compra um carro japonês ainda que precisássemos, pelo menos, de um Mercedes desportivo, ambos com baixa emissão de partículas, naturalmente.
E pronto pouco mais há a dizer. É ir votar e continuar vigilante, curioso, talvez até mais participativo, procurando reforçar sempre a intervenção e a capacidade individual de responsabilização. Não sei bem como, mas há-de arranjar-se alguma forma eficaz de contribuir. Estamos todos no mesmo barco, todinhos.