Pego nas páginas de A Capital e vou directo à crónica diária do José Luís Peixoto. À medida que vou percebendo que recorda o Manuel Dias, jornalista responsável pelo suplemento DN Jovem, cantinho onde pela primeira vez vi o meu nome impresso, assusto-me com o tom laudatório, temo descobrir um qualquer elogio fúnebre. Não vejo o Manuel Dias há anos e há anos que não sei novas dele. A crónica do José Luis Peixoto tem um final feliz e junto-me com alegria às suas palavras. Sem mexer uma vírgula.

Terça Feira

É impossível esquecer as manhãs de terça-feira em que acordava só a pensar em encontrar uma banca de jornais. Quando vivia no Alentejo, entrava na carreira que me levava à escola secundária e apenas imaginava o momento em que, com moedas certas e contadas, iria comprar o jornal. Quando vivia em Lisboa, não esperava pelo elevador. Descia as escadas, saltando os degraus dois a dois, três a três, chegava ao quiosque e começava a folhear o jornal quando ainda estava à espera para pagá-lo.
Era o DN Jovem. Todas as semanas, o Diário de Notícias tinha um suplemento que fazia rapazes e raparigas entre os 12 e 25 anos folhearem o jornal e, com uma emoção impossível de esquecer, encontrarem os seus próprios textos no esplendor da letra de forma.
Por detrás daquelas páginas, durante quase vinte anos, esteve um homem. Era às suas mãos que chegavam os envelopes com todos os pontos do país no remetente e com uma morada, decorada ao fim de poucas semanas, no destinatário.
A primeira ocasião em que ouvi a sua voz foi ao telefone. Às vezes, com todo o cuidado, telefonava-nos e explicava a razão por que propunha a alteração de uma frase, ou de um adjectivo, ou de uma vírgula.
Era esse cuidado que, de uma forma determinante, nos fazia imaginar que os sonhos eram possíveis e que aquilo que escrevíamos talvez tivesse algum valor.
Nas comemorações do passado dia 5 de Outubro, no Palácio de Belém, foi com orgulho verdadeiro, com felicidade, que aplaudi o momento em que Manuel Dias, o homem que esteve durante anos por trás das páginas do DN Jovem, recebeu a Ordem de Mérito, no grau de comendador, das mãos do Presidente da República.
5 de Outubro. Terça-feira, como não podia deixar de ser.

José Luís Peixoto in A Capital

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