Os posts desta semana foram influenciados por Karl Popper, Friedrich Hayek, Michael Oakeshott, Charles Darwin, Adam Smith, Robert Axelrod, Benoit Mandelbrot, Daniel C. Dennett, Contra a Corrente, Jaquinzinhos, Coluna Infame, Blog da Causa Liberal, Dona Aida e Filosofia de Ponta.
Nota prévia: Caro João, permita-me uma pequena chantagem. Se lê e se inspira semanalmente em tão vasta obra, permita-me pedinchar um pouco de paciência para mais uma prosa de leitura apenas um pouco mais do que instantânea. MAS se quiser um troco à sua resumida posição que relembro é: “as licenças de maternidade prolongadas causam discriminação” deixo-lhe o resumo da minha na última frase deste texto, seis palavrinhas num paradoxo que me inspira.
A lápide; os factos da vida:
“(…)Eu não atribuo direitos a ninguém. Limito-me a constatar um facto da vida: os empresários têm o poder de se recusarem a ter preocupações sociais. Enquanto existir alguma liberdade, os empresários têm o poder e os incentivos para discriminar as mulheres se elas tiverem mais direitos sociais que os homens.(…)”
Eu sou trabalhador João, eu tenho direito a confrontar os meus deveres de paternidade com a liberdade supostamente imanente da simples existência do universo que parece atribuir aos empresários. Se eles têm a liberdade de discriminar e eu não tenho o poder para conseguir sustentar-me e tratar dos meus flhos condignamente, só me resta lutar contra esse direito “divino”, contra esse “facto da vida”, criando um da minha própria autoria: os pais esforçado que amam os filhos não tolerarão que para sempre que lhes seja negado exercer esse amor. Que tal? Serve-lhe?
Há duas formas de procurar um equilíbrio (que o seu modelo de liberdade nitidamente não resolve):
– um é encontrar um meio termo entre as vontades (supostamente) antagónicas e inconciliáveis.
– outro é destruir ambos os “agentes económicos” pela ilusão de um “admirável e simplista mundo melhor” inculcado na cabeça de desesperados ou dos ditosos, tanto faz.
Quantas vezes terão de existir revoluções, cabeças cortadas, perseguições, até que se perceba definitivamente que nem sempre o meu bem (a minha liberdade) é o bem comum e que, por isso, no longo prazo (ou no curto…) o mal comum há-de vir bater-me à porta se não contribuir para o eliminar, para o controlar?
No grande esquema das coisas esta é a mais maniqueista das ideias que ainda ninguém conseguiu rebater. Talvez por vivermos de ciclos condicionados pela regularidade da nossa própria finitude, não sei.
Mas deixemos os princípios filosóficos esconderem-se atrás da cortina e deixemos o palco para a nossa polémica. Reconciliemo-nos por uns instantes.
No meu texto “A Maternidade, a Paternidade e as Empresas (act.)” fui tão extenso, passei por tantos registos (diagnóstico, ironia, novos diagnósticos, defesa do diabo, crítica e proposta) que o João se perdeu, não percebeu o que era, de facto, a “minha” proposta.
Sentiu-se assoberbado (ou imaginou-me assoberbado) pela complexidade da sociedade. Desconfio mesmo que não leu até ao fim. Só assim percebo a omissão a tantas questões que agora me atrevo a achar que considera incómodas, questões de facto e de jure que aqui abordei.
Mea culpa.
Ainda assim respondeu-me.
Só posso agradecer-lhe a consideração e denotar a esperança de entendimento que imagino sempre numa réplica que recebo ou que ofereço.
Perdoe-me a imodéstia, mas adianto-lhe que merecia melhor resposta caro João. E desde já o aviso (e me preparo) que este que segue já vai longo e ainda está longe do seu fim, mas renovo-lhe o meu pedido das primeiras palavras.
Lendo-o com atenção, João, tenho de lhe fazer um outro pedido mais ou menos solene: deixe-me problematizar o que é complexo, por favor.
Não conheço outra forma civilizada de procurar o esclarecimento. A menos que prefira a opção de solução trágica de que falei acima… O mote para essa solução já teve muitas canções no passado e terá (tem!) muitas disponíveis no presente.
Há um modelo económico dito neo-liberal, que certamente o João conhece, que tem até como um dos seus pilares a hipótese do ajustamento racional dos comportamentos dos agentes económicos (que é o mesmo que dizer de todos nós). Uma hipótese que justifica porque no longo prazo seja impossível manter um lucro não disputado, por exemplo. Uma hipótese que é fulcral para que o modelo tenha em si uma solução que aproxime também, em alguma medida, o conceito humanista de justiça.
Não há dúvida que alguém tem que praticar e usar da razão (mais que não seja para controlar a irracionalidade), porque raio não posso eu fazer esse esforço?
Quem diz eu, diz você ou qualquer outro indivíduo que se proponha pensar além do seu umbigo e das suas ligações económico-sociais mais directas…
Imagine-me um aprendiz de filósofia-política, ou de Economia, mas deixe-me pensar o complexo, admita-me a insatisfação com algumas características ou consequências promovidas pela “simplicidade” do laisser faire laiser passer. E diga-me se discorda do que identifico como problema ou se apenas discorda do que imagino para sua solução. Alguém tem que estudar o complexo, alguém tem de sugerir e debater os modelos que tanto amamos… Mesmo correndo o risco de alguma arrogância ou do inevitável erro e contrição.
Permita-me agora ser mais sintético ou, pelo menos, mais preciso.
Pressupostos: há um conceito de vitalidade associado a uma sociedade. A inexistência de condições que assegurem condignamente a opção de constituir, sustentar e expandir uma família gerando novos cidadãos com plena capacidade de exercício dos seus deveres e direitos dita a sua extinção. Esta ideia tem um valor mais utilitarista do que axiomático. Explicando: contribuir para afastar o cenário terminal fundado na possibilidade de gerar seres humanos de pleno direito, pressupõe assegurar um caminho histórico que propicie estabilidade e felicidade social: uma sociedade saudável, digamos.
A família: a ideia de família evoluiu muito e é hoje uma multiplicidade de tipos. Não existindo um modelo perfeito de família nem se defendendo que algum deva ser imposto, há um conjunto de condições cuja verificação, ou não, é determinante para o surgimento de algumas capacidades ou problemas sociais.
A criação dessas capacidades e a prevenção desse problemas é uma preocupação que deve ser encarada colectivamente pela comunidade, nomeadamente através da regulação da sociedade pela intervenção do Estado.
A ideia de maternidade ou paternidade facilmente se pode considerar bem mais lata do que uma qualquer propriedade própria de pais genéticos ou de famílias nucleares tradicionais. Toda a criança tem direito a um tutor e ao seu quinhão de afectos. Em última análise e faltando tudo o resto terá de ser a Comunidade a garantir esse provimento.
O ideal é reconhecidamente o cenário em que alguém capaz tenha amor e capacidade para auxiliar na formação cívica e humana da criança. A disponibilidade para essas tarefas é tanto mais importante quanto menores forem as capacidades já adquiridas pela criança. Naturalmente, será particularmente importante nos primeiros anos de vida.
O país que temos:
Como já disse temos uma das mais elevadas taxas de actividade entre a população feminina em idade fértil por motivos diversos, mas aos quais não são alheias características históricas herdadas pela organização do mercado de trabalho e do modelo económico preponderante, assim como, aspectos de natureza cultural.
Por outro lado, a taxa de actividade de homens em idade fértil é tão alta como na generalidade dos países com quem temos as parcerias económicas mais relevantes.
São tipicamente os homens e as mulheres em idade fértil que têm a seu cargo a educação, formação e a primeira responsabilidade de protecção e defesa dos direitos das crianças deste país.
Perante todos estes aspectos e constatando que o modelo de organização do trabalho vigente não proporciona aquilo que sempre se considerou um acompanhamento fundamental nos primeiros anos de vida de uma criança – e que era assegurado há não muito tempo pelo afastamento da mulher do mercado de trabalho – o Estado interveio sob a forma de lei forçando a internalização, por parte do esquema de organização do trabalho, de um conjunto de direitos, entre os quais o de dos pais trabalhadores (a existirem dois nessa condição) disporem de um período de tempo que poderão, se assim o entenderem, destinar ao acompanhamento da criança recém nascida.
Pergunto neste momento ao João para que nos entendamos: há alguma discordância quanto a isto, além do problema da discriminação da mulher que idetifica?
Quanto à discriminação (se por ventura for exclusivamente esse o problema):
Temos uma lei que não discrimina. Seja justo ao menos com a lei, João. A lei está feita para homens (pais) e mulheres (mães) em perfeita igualdade. É a estatística da coisa, a cultura de fazer prevalecer a importância da maternidade sobre a da paternidade que leva mais mulheres a gozar a licença do que homens. Não é a imposição da lei, é a livre escolha de pais e mães perante a opção que a lei estatuiu que assim cria a maior probabilidade de serem mulheres e não homens a gozarem a licença, tornando-se assim vulneráveis ao raciocínio estritamente económico do empresário que culminará numa discriminação negativa no acto da contratação, segundo o João.
O que a lei estabelece (a existência de uma licença) é tido como um bem com vantagens duradouras para os envolvidos – pergunte aos país e mães que gozam esse direito – e para a sociedade como um todo. Se não perceber como pode ser um bem para a sociedade podemos trocar umas ideias.
Dito isto, fica para mim claro que o princípio em que se baseia a intervenção do Estado e que culmina nesta e noutras leis relativas aos direitos de paternidade e das crianças não deve ser questionado, como já disse.
Agora, a existência de uma licença para um dos pais não será a melhor forma de atingir o fim porque poderá constituir uma discriminação? Além de ser um mal muito menor do que aquele que resolve, talvez até um mal que se atenue caso paulatinamente a proporção de homens a gozar a licença aumente e a de mulheres diminua, admito que não deva ser negligenciado. Elogio o João Miranda por, através do seu contributo bem fundado no racionalismo de inspiração económica-utilitarista, ter alertado para o facto, promovendo assim uma possível solução pela reflexão advinda.
Já fiz algumas sugestões que poderiam mitigar o problema, julgo que sem prejuízo maior. Basta para isso ter a paciência de reler o meu outro texto (lá mais para o final). Mas sou todo ouvidos se o João encontrar melhor solução.
Diga-me agora onde é que o Adufe peca, é impositivo, cerceia liberdades (como a de amamentar ou não, viajar ou não, ter ou não ter filhos etc) nos termos a que aqui se refere:
Em todo o processo, as condições particulares de cada indivíduo são ignoradas porque o Adufe não tem forma de as determinar. O Adufe não sabe o que cada pessoa quer da vida, mas tem a ousadia de planear as suas vidas. Não sabe se os homens querem cuidar dos filhos, se as mulheres querem que os homens cuidem dos filhos, não sabe que mulheres são casadas e que mulheres estão sozinhas, não sabe quem ó homossexual, quem é estéril, quem prefere viajar, quem simplesmente não gosta de amamentar, quem não quer ter filhos, quem não quer pagar os filhos dos outros, quem é divorciado, quem amamenta, quem é contra a amamentação, quem finge que amamenta, quais são as avós que cuidam netos, quem tem avós, quem trabalha, quem finge que trabalha …
Ora, uma solução que não tem em conta todas estas particularidades da vida humana é uma má solução. A não ser que o Adufe seja omnisciente, jamais conseguirá compatibilizar os interesses e os valores de todos.
itálico in Liberdade de Expressão.
Não queira com tanta pressa importar o mínimo denominador comum em direitos dos trabalhadores que existe à face da terra, que é aquilo a que leva a sua cegueira pelo modelo económico e de organização social que defende.
Nem veja papões medonhos em toda e qualquer interferência do Estado no seu precioso modelo ideal. Incorpore-o enquanto agente válido sugerido e sustentado pelos próprios agentes económicos. Incorpore-o no sistema e experimente o deslumbramento de encontrar uma mais promissora e completa forma de organização humana.
Sabendo que o ponto de partida de cada um de nós face ao outro, em termos de riqueza, conhecimento e capacidade congénita, talvez, é desigual, o que distingue o seu cúmulo do liberalismo, de um modelo esclavagista, João?
O liberalismo em roda livre só contribuirá para ampliar as diferenças e negar-se a si próprio numa velocidade em progressão exponencial. Felizmente não há NENHUM país do mundo que siga a risca as premissas do seu modelo. Nem aqueles que por vezes cita como exemplares no seu blogue. Não há sociedade que eu conheça que veja irracionalidade em tudo o que passe por questionar o ajustamento gerado pelos automatismos do modelo liberal. O modelo não gera valores, há preceitos morais sem os quais não podemos conviver que têm de ser acomodados de outra forma, ultrapassando o modelo liberal.
Caro João, por vezes, nem sempre, note, mas por vezes, a hierarquia de valores que o equilíbrio do livre mercado dita é simplesmente incompatível com a condição de um homem livre.
A liberdade com liberdade se paga.