Carrilho teme a co-inceneração integral do PS e de todo o seu património histórico e cívico no processo Casa Pia e alerta para a janela de oportunidade estreita que o partido tem para tomar vitaminas que permitam entrar com força nas próximas campanhas políticas e no esforço de fiscalização governativa.
Sublinha que os tempos que se avizinham não são sequer regulares: com o alargamento e a discussão europeia podemos estar perante um potencial momento histórico determinante para o país.
O que menos falta faz ao país é um PS hiper-sensível, reagindo de impulso, querendo marcar a agenda política num frenesim incoerente para dar provas de orientação política além “Casa Piaâ€?. Infelizmente, com o desenrolar que se adivinha do processo, com a manutenção da novela, o PS poderá não ter armas para uma guerra de igual para igual e suspeito que o frenesim politiqueiro será uma arma demasiadas vezes tentadora no caminho futuro enquanto oposição.

Subliminarmente, Carrilho deixa claro que o PS estará a enredar-se no tradicional ciclo legislativo do Governo (a atravessar agora e nos próximos meses o momento mais baixo de popularidade) sem se desmarcar politicamente e ficando assim vulnerável a uma puxada eleitoralista lá para o ano 2005… Acrescendo a tudo isto temos o desgaste anormal da questão judicial que poderá por si só pulverizar a importância do “tradiconal ciclo legislativo” de que acabei de falar. Ou seja, em todos os entendimentos, o que tem permitido avaliar tradicionalmente uma direcção e o absolutamente excepcional que esta atravessa, a actual direcção é merecedora de reparo veemente por parte de Carrilho.
Para a liderança actual, este não é o momento ideal para reconfirmações ou lutas internas, digo eu, mas será o interesse da actual direcção o melhor interesse para o PS e para o país, pergunta Carrilho? Pessoalmente e fazendo o esforço de pensar a médio prazo como sugere Carrilho começo a achar que não.
Uma mudança, contudo, implicaria o surgimento de dois PS, um representado por uma nova direcção vinculada a um “fresh start”, cortando quase em absoluto que a actual (salvando Socrates) e um outro que permaneceria a dar que fazer – a actual direcção que não é nem será um simples e irrelevante grupo de socialistas que será deixada em paz com o afastamento da ribalta partidária.
Para ter sucesso, este “fresh start”, exigir-se-ia o máximo de estancidade, inovação política (numa linha diferente da actual porque não está só em causo o facto excepcional, também a condução do partido), inteligência e motivação. E esse compromisso só será exequível se concertado: os sacrificados teriam de aceitar e cultivar o seu sacrifício, permitindo, se a coisa fosse publicamente bem apresentada, manter a imagem de integridade moral do partido para com os seus ex-lideres e vice-versa. Julgo que a acontecer este cenário seria uma novidade absoluta na história partidária… Há coragem e estômago para isso? Ferro Rodrigues já se assumiu como um corajoso líder para com quem o PS tem uma forte dívida, será ele capaz agora de não cobrar essa dívida e prestar esse outro serviço ao partido? Era preciso, para começar, que ele visse as coisas assim… Como sublinha Carrilho há um aspecto da vida interna relevante que não é dispiciendo: o partido acabou de ser integralmente remodelado a imagem da actual direcção, orientado para um determinado rumo, a sensação de abismo pendente e o desgosto com a condução política do partido serão suficientes para haver vontade de mudar? Como disse e repito, sem que Ferro tome a iniciativa de sair tudo será muito difícil. Mas continuemos a discorrer.
Se há de facto alguma tentativa de conluio corporativo da classe política, num eventual bloco central, como sugere o Aviz, a actual direcção do PS terá ainda menos motivos além dos emocionais e tácticos para abandonar o barco, perdendo a possibilidade de dar luta do mais elevado palanque.
A alternativa à mudança concertada e à manutenção da situação actual seria o recurso às espadeiradasentre os barões, à purga interna por meios violentos. Conhecendo os pergaminhos dos partidos e do PS em particular, nesta área, perante a excepcionalidade da situação, tal espectáculo teria consequências e desfecho completamente imprevisível. H´ainda a questão do lider alternativo e da sua orientação política…

Enfim, não tenho a mínima dúvida que este é o momento mais difícil da história do PS de que eu tenho memória. A solução ideial não existe, haverá sempre um compromisso de objectivos. Resta saber se o PS se manterá satisfeito apenas com a limitação de danos diária. Espero que não, agora que Carrilho abriu o livro, que se chegou à frente, acho bem que não se evite a questão estratégica por prejudicar as movimentações tácticas. Cumpre-lhes decidir de preferência com o desprendimento e vistas largas que se têm pautado pela ausência de muitas decisões políticas recentes do Partido Socialista.

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