Durante anos e anos a SISA foi um dos impostos mais iníquos deste país. A fuga ao fisco era conhecida, a fiscalização insignificante e a iniquidade conveniente.
Porquê iníquo? Porque quem tivesse de se endividar para conseguir comprar casa (a maioria da população menos abastada) teria sempre a garantia de ter de declarar como valor de venda pelo menos aquilo que havia recebido de empréstimo. Quem conseguisse pagar a pronto podia, na prática, declarar o que entendesse. Como disse, a situação permaneceu anos a fio sendo de todo legítimo questionar até que ponto esta vantagem directa para quem tinha posses face a quem recorria a empréstimos não teria relação directa com a perguiça do legislador e do executor fiscal.
A dada altura foram os bancos que fizeram o papel de potenciar a “desobediência fiscal” com uma das suas habituais engenharias: dividir o crédito em crédito à habitação e em crédito para outros fins. Durante algum tempo, quem recorria ao crédito passou a declarar como custo apenas o montante do empréstimo à habitação e assim algumas famílias passaram a poder comprar casa, outras passaram a reduzir a factura fiscal, mitigando a desvantagem que tinham sobre quem tinha património pessoal para não deixar o rasto creditício no dinheiro. O dever fiscal esse andava maltratado.
Há alguns anos, descobriu-se que afinal poder-se-ia mudar o quadro fiscal de forma a complicar largamente estas práticas. Hoje é mais complexo concretizar a fuga, a SISA mudou de nome e até, em parte, de natureza e o fisco, tanto quanto sei, começou a arrecadar mais receita. A iniquidade terá diminuido.
Haverá diferença entre quem rouba para ter pão e entre quem rouba para ter mais um cão?
Deixo isso ao critério do leitor e, na minha qualidade de candidato ao PE, ao eleitor.
Perante mais este alegado escandalo “Escrituras no prédio onde Sócrates mora com valores divergentes ” cada vez mais me convenço da bondade do “momento da verdade”, aquele momento em que todos os candidatos a cargos políticos deveriam declarar em entrevista pública e de preferência televisionada, junto de uma entidade do Estado, todas as suas infracções passadas à legalidade. Essa entidade definiria, à luz da lei a respectiva punição e os candidatos elegíveis, purificados, caso viessem a ser eleitos, ficariam mais imunizados contra atoardas. Só após prova de omissão de reporte de ilegalidades não declaradas poderia haver notícia pública do facto e imediato processo de averiguações com vista a perda de mandato. Se por exemplo uma notícia viesse a ser dada sem que a conclusão do processo provasse a infração, a penalização para o meio de comunicação seria muitas vezes superior à actual, no actual regime. Eu enquanto modesto candidato de um (por enquanto) pequeno partido disponho-me a tal, alguém me acompanha?
Quais as vantagens políticas deste “sistema”? Num país onde escasseiam os seres imaculados (há muitos países assim) onde a hipocrisia está debaixo de cada grão de pó que anda no ar, e onde o rumor e a mentira abundam nos media, aumentava-se o custo de ficar calado “à espera que não descubram os meus rabos de palha”. Hoje, neste regime, estamos a pedir para ser enganados. Até parece que cremos em santos tal o grau de indignação desproporcionada face ao escrutínio que (não) exigimos e às práticas que não cultivamos. Está para nascer uma sociedade corrupta que consiga ter representantes polítcos que não sejam uma imagem mais ou menos proporcional da corrupção existente.
Por outro lado, sendo certo que haveria sempre criminosos a concorrer a cargos políticos, acredito que se aumentaria a informação dada a cada eleitor. Poderia escolher com mais transparência o candidato com quem poderá conviver melhor. Para si a “falsificação” de uma assinatura num projecto de arquitectura é imperdoável mas uma fuga na declaração do IVA ou da Sisa é menos revoltante? Vote em concordância. Pensa exactamente o contrário? Vote em concordância. Com tempo, a esperança seria, obviamente, que a cultura de cumprimento e respeito pela lei viesse a ser instaurada.
Enfim, dou sermão a peixes, provavelmente com ideias cheias de buracos, mas acho que nos está a escapar a democracia e estamos cada vez mais perto de triturar com o mau que temos o bom que ainda resiste.

No caso de hoje, o da eventual fuga ao fisco do actual PM, sugeria-lhe que prescindisse do direito à presunção de inocência e que abrisse o livro. Mostra-se os fluxos financeiros, levantasse o sigilo bancário. Procurasse certificar a sua palavra urgentemente junto de uma entidade credível e publicamente. Teriamos todos a ganhar, pois como estamos, vamos valorizando cada vez mais o que poderá ter sido um acto de imensa coragem: aquele praticado por António Guterres, na sua tentativa de não aprofundar o pântano.
Compete-nos olhar o espelho e assumir as nossas responsabilidades. Aos que tenham o sentido do serviço público sobra ainda responsabilidade de garantir que melhor é possível, seja em que partido for.

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