A razão de ser das Forças Armadas (FA) não é ajudar as populações afectadas por um cataclismo natural; o cataclismo é que faz do apoio aos necessitados uma emergência à qual as FA também podem ser chamados a acudir. Se fossemos um país sem FA – imaginem que éramos anti-militaristas – teríamos naturalmente de desenhar de forma diferente o dispositivo de reacção a cataclismos; seria um dispositivo que não teria nas suas contas a possibilidade de recurso às FA, bem entendido.
Será que com a crise financeira todos estes argumentos que expus há uns anos em Pragmatismo de Salvação Nacional, inspirado por uma irritação profunda com “o estado a que isto chegou“, a favor da privatização da CGD, desapareceram?
Porquê esta “dúvida” agora? Porque acho que com demasiada ligeireza andamos muito predispostos a passar a ver o mundo mais a preto e branco. Diria mesmo que com demasiada conveniência. É precisamente em alturas de medo, ansiedade e incerteza que devemos prezar ainda mais a capacidade de reflexão e o espírito crítico e, claro, suspeitar saudavelmente de lições prontas a servir.
Estou longe de ser um liberal dogmático como aqui alude Vital Moreira, mas já me sinto quando se reduz a justificação para o resultado final por eles sugerido (a privatização da CGD) aos seus fracos argumentos.
O dogma liberal não é pior que um dogma estatizante acrítico. Eu prefiro um banco do Estado, bem gerido, alheio às clientelas partidárias de cada momento, e, já agora, com um rumo estratégico que gere intencionalmente uma influência positiva entre a forma como todas as instituições financeiras lidam com os clientes por quem concorrem. E, claro, um banco que siga uma política predefinida e publicamente discutida, com objectivos cristalinos em termos de desempenho do papel de “braço financeiro” do Estado português em Portugal e no Mundo.
Achar que a CGD se justifica essencialmente pelo seu papel em situações de crise sistémica é chocante por representar uma fraca consideração pelo interesse público e uma potencial carta branca para tudo o que de mal tem sido feito em relação à CGD.
Em bom rigor, se não tivéssemos um banco do Estado, o mais natural seria que o Banco de Portugal estivesse capacitado para, em situações de excepção, limitar essa lacuna de “esteio do sistema bancário” e então voltávamos a ficar coxos de argumentos para defender a CGD no Estado. Tal qual como no caso da ausência de FA e do cataclismo natural.