Quanto às perguntas menos óbvias, mais orientadas para o Partido que mais me interessa e de que sou militante, eis algumas:

  • Conseguirá o PS encarar que tem de ter muito mas mesmo muito menos orgulho na herança que deixa ao país do que a que invocou na mais recente campanha eleitoral?
  • Como ter “muito orgulho” quando há milhares de crianças que passam pelo ensino obrigatório sem terem professores a várias disciplinas durante anos a fio, comprometendo irremediavelmente a possibilidade de terem oportunidades iguais quando acabam a sua formação?
  • Como pode ter “muito orgulho” quando deixamos mais de um milhão e meio de família sem médico de família e o SNS sem essa mesma peça basilar de todo o sistema, seja para prevenir, seja para assegurar bem-estar sanitário, seja para melhor gerir todos os recursos do próprio SNS?
  • Como podemos ter “muito orgulho” se não só não fomos capazes de antecipar como agravámos e andámos anos com políticas completamente inúteis os problemas da falta de habitação?
  • Como podemos ter “muito orgulho” quando desenhámos política de proteção do consumidor e de combate à exclusão social no acesso aos serviços de internet que se revelaram absolutamente falhadas quando desejávamos abranger centenas de milhares de famílias carenciadas?
  • Como podemos ter “muito orgulho” quando arrastámos os pés em investimento essenciais para assegurar a coesão do território no acesso à internet de qualidade, permitindo que as agendas de “ir além da troika” perdurassem e colocassem nas Finanças um ónus e um poder bloqueador ou, no mínimo, dilatório, em políticas fundamentais que volvidos quase nove anos ainda mal saíram do projeto?
  • Haverá muita coisa bem feita, de que nos devemos orgulhar, sim, mas, por favor, sejamos equilibrados, em muitos aspetos os oito anos de governo foram uma oportunidade perdida e nunca por nunca, em termos globais, podemos falar de “muito orgulho”. Tenhamos muito orgulho da nossa capacidade de reflexão e de construção crítica. Era exigível e dever-nos-á ser exigida uma governação de muitíssimo melhor qualidade no futuro, se e quando alguma vez voltarmos a captar a confiança de uma maioria dos portugueses.

Mais perguntas com algumas reformuladas para serem mais palatáveis para os mais sensíveis:

  • Como irá o PS, após oito anos de governo e muitos mais sem fazer uma genuína e regeneradora crítica interna (desde o caso Sócrates) conseguir aproveitar o tempo que terá na oposição?
  • Terão noção todos os atores nos órgãos nacionais de que estamos perante uma real crise existencial do partido e do regime democrático?
  • Conseguirá o PS ter o golpe de asa necessário para passar por um crivo justo e frontal, todas as políticas públicas que implementou? Conseguirá identificar de forma clara e evidente que cuidou de forma pouco empenhada, largas fatias do eleitorado (desde logo suburbano) que objetivamente deveriam ser a sua espinha dorsal?
  • Conseguirá o PS perceber que não pode continuar a não ter uma política coerente, cuidada, conhecedora para a Defesa Nacional, para a Justiça e para muitas das atividades económicas do setor primário?
  • Conseguirá o PS ser o partido de poder a fazer o que a nossa direita e parte da esquerda, verdadeiramente retrógradas em várias aceções da palavra, se escusam de fazer e que resulta de um singelo olhar para lá da fronteira com Espanha, para lá dos Pirenéus e para lá das nossas praias atlânticas?
  • Conseguirá abandonar o provincianismo da nossa política e trazer para Portugal uma síntese pragmática, com reflexo nas propostas de ação política, ajustada aos desafios que a Europa enfrenta perante adversários muito mais organizados, protecionistas e zelosos dos seus interesses de soberania e de sustentabilidade económica e geoestratégica, dinamizando a nossa indústria, as nossas empresas e reformulando fundamentalmente as políticas públicas?
  • Conseguirá o PS abandonar os complexos de recolocar o Estado como um parceiro ativo e fundamental para o desenvolvimento da nossa economia, garantindo pela sua ação em parceria com os agentes privados que conseguimos ultrapassar muitas das barreiras à entrada que distraidamente ignoramos, numa atitude estupidamente seguidista de regras que todos os outros dos nossos parceiros de todas as ideologias, contornam no melhor interesse nacional?
  • Conseguirá o PS com os erros e omissões construir uma reforma do Estado e preparar-se capazmente para quando voltar a governar saber exatamente o que terá de fazer, com prioridades bem definidas e uma planificação digna desse nome, mais uma vez sem complexos que já ninguém no resto do mundo tem?
  • Por onde deverá Pedro Nuno Santos começar?
  • Por uma revisão programática que o aproxime do eleitorado que naturalmente se deveria identificar com socialismo democrático, com a social-democracia, enquanto ideário que melhor defenderá os seus interesses?
  • Deverá criar uma coleção moderna e ambiciosa de novas políticas públicas que usará como bandeira para recuperar eleitores e a oportunidade de governar?
  • Deverá proceder a uma renovação ambiciosa dos quadros que farão o trabalho político mais público, sem desmerecer os que melhor desempenharam as suas funções e provaram ter capacidade de gerar empatia com o eleitorado a nível local, regional e nacional?
  • Deverá apostar numa reforma interna nos mecanismos de legitimação do poder, provavelmente fundamental para dar credibilidade a uma orientação de abertura do Partido ao mundo, até para conseguir captar novos quadros, novas competências, nova energia que possa assegurar a transição geracional em curso no PS onde estamos a despedir-nos definitivamente da geração dos fundadores?
  • Patrocinar uma transformação cultural que permita ao eleitor converte-se em militante de base reencontrando um papel útil e gratificante enquanto membro ativo de um partido político?
  • Avançar para uma transformação digital, quer da infraestrutura do partido, quer da rede de ação política, não deixando nenhum canal por utilizar, seja a rede social, seja o porta a porta de um movimento de enraizamento do partido na vida quotidiana?
  • Abordar o tema do financiamento do partido como instrumental para a própria marca de mudança e renovação que se pretende?
  • Como seria o PS se fosse um partido financiado por milhares de militantes, possuindo assim um meio de equilibrar a balança face a partidos financiados por agentes obscuros e com interesse completamente desalinhados dos desejos da larga maioria da população mas que usam o poder económico para manipular, condicionar, diabolizar, dividir e destruir a confiança?

 

  • E como lidará o partido naquilo que terá de mais conservador e enclausurado sobre si mesmo se for desafiado a mudar de cultura?
  • Os grupos constituídos, secção após secção, que asseguram o cerne da atividade partidária, que são os autarcas de décadas, conseguirão perceber que é do seu melhor interesse abrir ativamente o partido a novos militantes? Ou, em vez disso, encararão qualquer discurso nesse sentido, que vá além de palavras vãs, como ameaças ao cargo, ao lugar na lista e encará-los-ão com desconfiança e até algum ressentimento por se verem “substituídos”?
  • Conseguirá o PS manter níveis de coesão interna que lhe permitam continuar a ser percebido como um ator fundamental da política portuguesa? Ou cederá ao umbiguismo dos que tendo acesso a palanque público, despeitados por não estarem numa lista ou inerência, decidem acender a fogueira de vaidades, pessoalizada, que tão grata será a muita comunicação social, ainda que abjeto para a esmagadora maioria do eleitorado?
  • E até que ponto o esforço de conservação dessa coesão interna não comprometerá o cerne da mudança cultural que o Partido terá de realizar para se aproximar dos eleitores, para compreender melhor os interesses de quem naturalmente deveria ser o seu eleitorado base?
  • E como conseguirá o PS conhecer-se melhor a si próprio? Quem são os agentes de negócios? Quem tem no PS uma plataforma de promoção da sua agenda económica? Quem tem falta de escrúpulos ou até de noção para poder ser proposto como representante político? Como avaliar a qualidade do pessoal político internamente, reduzindo a probabilidade de se repetirem os erros de escolha?
  • E claro, é preciso perguntar também porque é que a maioria absoluta obtida pelo PS em 2022 acabou de forma tão rocambolesca?
  • Onde começam e acabam as culpas próprias do PS e onde começam e acabam as responsabilidades do Ministério Público?
  • E qual o papel dos média na construção das perceções sobre os casos e casinhos? Quantos casos e casinhos foram já desmontados e quantos subsistem?
  • Quais as lições a extrair de tudo isto para o PS, para os media, para a aparelho de justiça e para os eleitores que assistem?

Haverá mais muito mais perguntas e fará até sentido segmentar muitas destas questões que aqui surgem de enxurrada, mas este é o primeiro passo do caminho para transformar o PS num partido mais competente, mais confiante em si próprio, mais credível e mais útil ao país e aos eleitores.

Os partidos são instrumentos para atingir objetivos e para servir interesses. Os interesse que o PS desde sempre advogou servir são dos mais nobres que se podem encontrar entre os partidos que existem em Portugal.

Será necessário regressar a eles e com maior vigor, mais inteligência e maior humildade. E também com muito maior competência, até para fazer propaganda, dia a dia, casa a casa, pessoa a pessoa, com uma mensagem sedutora e estruturada, e acima de tudo realista e alinhada com os desejos da população. Para, no fundo, chegar a quem decide em quem confiar o voto para se sentir representado.

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