Até ver, numa perspetiva de médio prazo a evolução económica mundial recente é ouro sobre azul para o desempenho da economia portuguesa. O PIB deveria espevitar. Temos combustíveis mais baratinhos ao mesmo tempo que também temos um euro baratinho para exportar melhor (um quase-milagre pela coincidência temporal). Temos clientes extra-comunitários a compensar a apatia na Zona Euro, juros nominais a desconto (que pelo menos não têm pressionado)… Temos um Orçamento do Estado encapotado de austero mas com várias medidas expansionistas com impacto no rendimento disponível (ainda que não dos particularmente mais necessitados) e que, objetivamente, se não for este milagre improvável mas ainda possível, iria fazer disparar o défice para o espaço… É, com sorte vai a coisa espevita no bom sentido.

Mas depois há o resto que nos garante que, na melhor das hipótese, o aliviar de costas será um fogacho. Carregamos às costas o esmagamento duradouro do investimento durante anos a fio (público e privado) que maliciosamente se batizou de “despesa” (uma coisa má) e que dificulta qualquer aproveitamento condigno de uma bonança económica. Não há máquinas, não há saber que isso era “caro” e foi cortado. É assim um pouco por toda a economia, há alguns anos. O que há para recuperar no que se desinvestiu e que é pedra basilar para o que se conseguirá produzir no futuro é muito mais do que o que se contraiu na produção de riqueza. Mas temos mais “coisas”. Temos o exacerbar das desigualdades no acesso a serviços públicos de qualidade (educação, saúde), temos uma sociedade cada vez mais separada em dois grupos extremados com uma classe média mirrada, temos uma herança política que quis apostar na oposição de grupos contra grupos (seja etários, seja profissionais), temos a perda de recursos humanos críticos (bem preparados e particularmente dinâmicos) para sustentar novas aventuras, temos o fardo demográfico crescente que a crise e as suas “respostas” só ajudaram a acelerar rapidamente, temos a consequente fragilidade do cronicamente diminuto mercado interno incapaz de ajudar na projeção internacional de alguns sectores, temos a ausência de uma estratégia de médio-longo prazo que vá além da contenção de salários e que enfrente determinadamente as maiores dependências/fragilidades das empresas e dos equilíbrios económicos nacionais, temos o asco em capacitar o Estado e a recusa em compreender o papel crucial da sua revitalização para que este dê provimento a serviços públicos e tome risco em áreas chave para o nosso futuro (investigação, apoio a inovações), temos muita negação de alguns ingredientes fundamentais (como a justiça, a formação contínua) para criar condições de evolução económica, social e política da comunidade.

Tudo isto se junta  no outro prato da balança onde estará também em permanência a nossa imensa fragilidade enquanto parte de um bloco fatalmente desequilibrado, fragilidade essa momentaneamente escondida por uma sucessão de pensos rápidos e desgraças alheias mas que ameaça despontar com fulgor a qualquer espirro, por mais alheia que nos seja a constipação.

Temos muito que fazer e muita catarse por cumprir, à esquerda e à direita. Não haverá capacidade crítica, entendimento do mundo atual, humildade e argúcia que sobre para nos ajudar no que temos de fazer para ir levando o país a melhor destino. Sejamos exigentes connosco, sem dó mas com dignidade.

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