Do Facebook de António José Seguro (9FEV2014):
“A justiça deve estar ao serviço das pessoas. Não há liberdade nem igualdade sem justiça.
Temos propostas: queremos a criação de um tribunal especializado que aprecie conflitos que envolvam investimento estrangeiro. É com maior celeridade e maior segurança na justiça que se pode assegurar maior captação de investimento estrangeiro.
Também o encerramento de tribunais é o oposto do que se pretende, está a atirar-se muitos portugueses para fora do sistema de justiça. O PS discorda deste encerramento e vai suscitar a apreciação desta medida.
Assumimos com os portugueses este compromisso: quando formos governo vamos abrir os tribunais que o actual governo encerrar, devem ser os juízes a deslocar-se.
Uma solução que não aumenta a despesa, mas aumenta o acesso à justiça.”
Ler em alternativa no Público: “Seguro propõe tribunal especial para investidores estrangeiros”
1º Momento:
A proposta de Seguro, lido pelas peças citadas, para ser a de defender tribunais especiais com via verde para investidores mas apenas se acumularem uma dupla condição: elevado montante e origem estrangeira. Há bancos com produtos promocionais para novos clientes, porque não pode o Estado fazer o mesmo com a Justiça face aos estrangeiros com dinheiro? Perguntarão alguns leitores. Sublinhemos bem aquilo que é proposto: seguindo a mais recente proposta do PS, patrocinada publicamente pelo seu atual Secretário-Geral, teremos uma justiça especial que irá mesmo funcionar de forma digna (rápida e segura) mas apenas e só se dedicada em exclusivo a estrangeiros grandes investidores.
O PS, alarga a um dos pilares fundamentais do Estado de Direito, a discriminação positiva para estrangeiros com dinheiro. Agora em letra de lei, de jure mesmo, a acrescer a tantas outras situações de dualidade de facto.
Aquele provérbio sobre as boas intenções é mesmo tramado quando se lhe junta uma dose considerável de “falta de noção” e de Nação para não ir mais longe.
2º Momento:
Dizem-me adicionalmente (quem ouviu em primeira mão) que, falando aos jornalistas, Seguro colocou a ênfase no investimento estrangeiro, mas reconhece que não pode distinguir entre “nacionais e estrangeiros”.
Em todo o caso, instituir como objetivo político a consagração de dois níveis de qualidade em algo como a Justiça não lembra a nenhum líder do PS merecedor do cargo. Na minha opinião, naturalmente.
No fundo, em concreto, defende que se crie um sistema judicial dedicado a grandes montantes de investimento (visando particularmente os estrangeiros mas incluindo outros similares por manifesto constrangimento constitucional). Já no campo abstrato diz umas coisas vagas sobre ser necessário combater “interesses e corporações”. “Combate-se” criando um subsistema ao lado? É uma opção muito habitual em Portugal. Algo que devia ser uma exceção está tão enraizada como “solução” que justifica a proliferação de estruturas e do desperdício. Podia até não ser o caso, mas insere-se numa tradição preocupante.
Mas qual é o problema da Justiça em Portugal em relação aos investimentos? O problema é que afasta investimento estrangeiro, nacional, grande, médio e pequeno. Tenho imensas dificuldades em justificar decentemente que um político num Estado de Direito se oriente de forma tão enviesada para uma fração de um mesmo problema.
O que se segue? Hospitais especiais para reformados estrangeiros, para estrangeiros com o visto dourado e para nacionais com imóveis que valham pelo menos meio milhão de euros para disfarçar a desigualdade de tratamento por via da nacionalidade?
Se é o máximo que Seguro se propõe fazer, ou, pelo menos, a primeira ideia concreta que tem sobre como enfrentar o problema da justiça e do investimento estrangeiro, estamos bem tramados. Já temos PINs e quejandos para estimular com discriminação positiva. Há imenso a fazer na desburocratização que este governo tem, aliás, ampliado em muitas áreas. Mas em áreas basilares da nossa democracia, como o acesso à Justiça, não consigo defender que a igualdade de acesso à qualidade e celeridade seja embutida no próprio desenho além daquilo que ele já tem hoje de jure e de facto.
Se Seguro acha que esta especialização (no fundo requalificação de juízes e mais recursos ?) é solução, então que especialize tudo para todos terem acesso a uma justiça melhor. Não venha é proclamar isoladamente (e nos termos em que o fez) uma aposta especial para um grupo muito singular. Qualquer pessoa que esteja a imaginar um investimento no país que fique abaixo do limiar a definir o que fica a pensar?
É o que eu digo, “Um país, dois sistemas”. No mínimo surpreendente vindo do líder do Partido Socialista.