A propósitos das constatações recentes em Davos (ver “Los emergentes agitan la paz de Davos“) e de uma breve reflexão patrocinada por um diálogo no Facebook, sobre até que ponto ao estarmos muito focados nos problemas internos não estamos a perder a visão global apetece-me sublinhar o seguinte.
Para mim não há nenhuma outra questão central na Europa sem se resolverem as guerras internas europeias. Sem as enfrentar com soluções perenes e equilibradas não há Europa. Ou pelo menos não haverá para nós, que continuamos encostados à culpa, tolhidos pela desconfiança alheia, normalizando-se a perspetiva de que vivem por cá cidadãos com a dignidade e direito de intervenção na construção europeia próprios de um país de 2ª categoria.
Estou-me pouco lixando para as estatísticas agregadas da União Europeia e respetivas comparações internacionais quando não há União Europeia mas apenas uma unidade estatística. Sublinhar a existência de uma realidade global na qual o papel futuro da Europa pode ser muito distante daquele que tem desempenhado é sempre útil, particularmente se despertar o sentido de urgência na resolução dos nossos bloqueios internos. Mas só sublinha quão central é que se resolvam esses problemas internos. E a reação que vejo é péssima. Continuamos a adiar soluções, e desvalorizar desequilibrios económicos, desprezar a degradação da democracia em vários territórios dentro da União, a comprar tempo, a cristalizar um status quo insustentável.
Se achamos que podemos guardar os desequilíbrios entre Estados europeus na gaveta ou que podemos forçar uma cedência unilateral das partes mais fragilizadas (a dialetica do estado livre versus protetorado é sintomática) para rapidamente podermos ir à guerra das grandes economias, mais à frente, na caminhada, tudo colapsará. Já devíamos ter aprendido.
Espero pelo dia em que a questão central seja a reflexão sobre como nos queremos projetar lá fora. Será sinal de que temos a casa arrumada cá dentro. E com jeitinho, a “solução” interna é a resposta ao desafio externo, mas não é nada disso que se está a perceber e a fazer. Prefere-se abafar o conflito interno latente, não resolvê-lo. Vai correr mal. É esperar pela próxima agitação na economia mundial ou pela seguinte.
Publicado originalmente no 365 Forte.